2019-08-13 - AGÊNCIA DE NOTICIAS- PARCEIRO -Manifestantes participam de Protesto em defesa da Educação. Foto: Clever Felix/Parceiro/Agência O DiaClever Felix/Parceiro/Agência O Dia
Por Istoé
Publicado 16/08/2019 11:43 | Atualizado 16/08/2019 11:43

Brasília - As universidades federais brasileiras estão à beira de um colapso. Sem recursos financeiros suficientes para manter atividades básicas, em setembro elas devem parar. Após o bloqueio pelo Ministério da Educação (MEC), em abril, de 30% das verbas previstas para custear as instituições, a conta não fecha. Com R$ 1,8 bilhão em recursos barrados pelo Executivo, não há dinheiro suficiente para pagar serviços essenciais de manutenção das instituições. É o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que está com as contas de água, luz e gás atrasadas há dois meses e não sabe se conseguirá estender o atraso por mais um mês. Se não lograr êxito, as empresas fornecedoras de transporte, limpeza, alimentação e vigilância podem suspender os serviços em agosto. E sem a mínima condição para receber os alunos no Campus, as aulas devem ser suspensas.

 

Abandono e destruição das instalações da UFRJ: falta dinheiro para realizar serviços de manutenção e pagar luz e águaReprodução / Márcia Foletto


O momento da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também é alarmante. As contas da instituição já vinham sofrendo com a falta de correção inflacionária nos contratos, mas a situação ficou insustentável após os cortes do governo. Não há recursos suficientes para a conta de luz e o ar-condicionado foi desligado em algumas unidades, ficando restrito aos locais cujo equipamento é essencial, como laboratórios de pesquisa. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), assim como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), também não vão conseguir seguir suas atividades se o ritmo de liberação de recursos continuar o mesmo.A crise atual na área se agravou com a política do governo de Jair Bolsonaro que usa a educação como um meio para implementar a sua ideologia de controle moral das escolas e universidades. O erro, aqui, é misturar o público com o privado. Por público entende-se oferecer uma educação de qualidade que atenda as necessidades da população, e por privado a visão pessoal e militar do presidente sobre as instituições. Porém, é preciso ser justo. A situação catastrófica do Ministério da Educação não foi criada pelo governo Bolsonaro. O problema fiscal é uma realidade que se arrasta no País há anos e decorre da política econômica dos governos anteriores, principalmente na era petista. Na época, os gastos foram maiores que a receita,
o que gerou uma bola de neve fiscal.

Menos bolsas de pesquisa

Isso não legitima, no entanto, as recorrentes manifestações de incompetência do governo para lidar com a crise. Exemplo de ineficácia é a escolha dos responsáveis pela pasta da Educação. O filósofo Ricardo Vélez, que assumiu o ministério logo após a posse de Bolsonaro, se mostrou uma péssima escolha, a ver pelas suas propostas autoritárias e afirmações sobre ser “constitucional” o golpe de 1964. Demitido em abril, sua substituição também não foi uma escolha feliz. O atual ministro da Educação, o economista Abraham Weintraub, especialista em administração e finanças, também deixa a desejar. “O cérebro dele está direcionado para fazer cortes. Ele é competente, mas não tem uma visão ampla sobre a educação”, diz Francisco Borges, consultor da Fundação de Amparo à Tecnologia (FAT). Outra área que está com o sinal amarelo é a de bolsas de pesquisa, que afetam diretamente a rotina universitária. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnólogico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) suspendeu a concessão de novas bolsas por causa do contingenciamento de verbas federais. De acordo com o órgão, o orçamento para 2019 não paga nem as 84 mil bolsas já concedidas aos pesquisadores.

Contas não fecham no setor acadêmicoReprodução / Isto É

Apesar de o governo Bolsonaro afirmar a necessidade de o País crescer economicamente com uma política liberal, ele ignora que a produção acadêmica é fundamental para que esse caminho seja percorrido, afinal, as pesquisas são indispensáveis para uma nação deixar o status de “país subdesenvolvido”. Em vez de lidar com a crise atual, o governo quer reinventar a roda lançando uma proposta que está sendo criticada por especialistas e pelo meio acadêmico. O programa “Future-se”, anunciado pelo Ministério e que permanecerá em consulta pública até quinta-feira 15, é exemplo disso. Entre as medidas que propõe, está a venda dos “naming rights” de prédios de universidades para patrocinadores. Além disso, pretende comercializar imóveis da União ociosos e incluir a participação de Organizações Sociais (OS) na gestão de gastos. “Não chamo isso de programa, é uma proposta constrangedoramente rasa”, diz Fernando Cássio, professor de política educacional da Universidade Federal do ABC e colaborador da Campanha Nacional de Direito à Educação. “Tecnicamente é de baixíssima eficácia”, diz ele.

“O Estado brasileiro não tem condições de atender a demanda das universidades nos próximos anos” Abraham Weintraub, ministro da Educação Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Entre os problemas do projeto apontados pelos estudiosos está o fato de que o arranjo proposto para a participação das Organizações Sociais é questionável. Por lei, cada OS pode administrar somente um contrato, mas a proposta abre brecha para que elas possam gerir vários deles. Outro problema seriam os litígios judiciais dos imóveis pertencentes às universidades. O “Future-se” prevê que eles sejam colocados em fundos imobiliários, mas na prática isso levaria tempo e não resolveria o caráter emergencial orçamentário enfrentado hoje pelas instituições. Outra questão seriam os Fundos Patrimoniais, que poderiam financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo a partir de doações de empresas. “Isso não acontece da noite para o dia. Além disso, é errado defender essa proposta comparando-nos com os Estados Unidos porque lá a maior parte do dinheiro para pesquisa vem do Estado, não de instituições privadas”, diz Cássio.

Baixa produtividade

Apesar das trapalhadas do Ministério da Educação, algumas medidas levantadas pelo “Future-se” são legítimas. Conectar universidade e mercado, por exemplo, é uma delas. Um estudo apresentado esse ano pelo MEC mostrou que na Coreia do Norte um aluno sai da graduação com a produtividade nove vezes maior que a apresentada quando entrou, enquanto em outros países da Ásia, a proporção é de quatro vezes. No Brasil esse índice é nulo. “Somos o único país em que o ganho é zero depois da graduação. Ou formamos muito mal ou não temos valor para o mercado”, diz Francisco Borges. Para ele, repensar o modelo é necessário, assim como criar uma política melhor de patentes. O problema, porém, é a maneira como o modelo está sendo proposto. “Ocorreu de uma forma extremada e essa é uma postura desse governo. O Future-se é uma grande nuvem de fumaça, não é de um dia para o outro que se articula universidade e mercado. Vai levar uns três ou quatro anos para que isso aconteça”, diz ele.

Manifestantes realizam protesto em defesa da educação na altura da Igreja da Candelária, no Centro do RioOnofre Veras/Parceiro/Agência O Dia


Outra crítica ao programa é o fato dele não respeitar a autonomia da universidade e o fato de que as medidas propostas já estão sendo desenvolvidas nas instituições. “O Programa foi elaborado pelo MEC sem a necessária interlocução com os reitores ou a comunidade acadêmica”, disse a reitoria da UFRJ em nota, que, assim como outras instituições, se incomodou com o fato do programa ter sido criado sem que reitores ou a comunidade científica tenham sido consultados. Para Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação e Políticas Educacionais da FGV, a crise econômica do País é grave e é legítimo repensar os recursos educacionais com criatividade. A forma, no entanto, teria de ser revista.“A ideia de colocar Organizações Sociais para dialogar com as universidades é positiva, mas não está claro como isso vai acontecer. Essas organizações vão poder contratar professores sem estabilidade?”, questiona ela. “A comunicação do governo é desastrada e muito agressiva.”

Manifestação contra o corte de 30% nas universidades reúne estudantes em NiteróiReprodução / Facebook

As medidas desencadearam na semana passada protestos por todo o País. Na terça-feira 13, 204 cidades foram palco de manifestantes que foram às ruas protestar contra as políticas educacionais do governo. De acordo com a UNE, estiveram presentes 900 mil pessoas. Entre os participantes, o que se viu foram faixas críticas como “Exterminador do futuro ou enganos do Future-se”. Tratou-se do terceiro ato contra a educação do atual governo. Desta vez, no entanto, diversas bandeiras, não ligadas à educação, se misturaram ao movimento e enfraqueceram o discurso. Como foi o caso da presença da CUT e dos pedidos por “Lula Livre”. Isso nada tem a ver com a pauta da educação. Interesses políticos à parte, a agenda das Universidades é urgente e afeta esquerda e direita. Por isso, urge um discurso menos politizado e mais concreto.

O governo ignora a importância da produção acadêmica para que o difícil caminho do crescimento econômico seja percorrido.

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