Prefeitura do Rio retirou materiais hospitalares do Hospital Espanhol, na Rua do Riachuelo, no centro do Rio, para utilização na rede pública, mediante indenização. Unidade particular está fora de operação - Reginaldo Pimenta / Agência O Dia
Prefeitura do Rio retirou materiais hospitalares do Hospital Espanhol, na Rua do Riachuelo, no centro do Rio, para utilização na rede pública, mediante indenização. Unidade particular está fora de operaçãoReginaldo Pimenta / Agência O Dia
Por Beatriz Perez
Rio - A concentração de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) e de aparelhos respiradores na rede privada de saúde no Brasil acendeu um alerta entre pesquisadores e profissionais de Saúde do Rio, além de juristas de universidades do Estado de São Paulo, como a USP e a PUC-SP. Campanhas dos dois estados tentam chamar a atenção das autoridades de Saúde para a necessidade de adoção de uma fila única, composta tanto por pacientes do SUS quanto por usuários da rede privada, para tratamento de casos graves da covid-19.

As campanhas 'Leito para Todos', no Rio, e 'Vidas Iguais', em São Paulo, defendem que os leitos de UTIs das unidades particulares de Saúde sejam requisitados,  mediante pagamento de indenizações, e coordenados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A medida valeria durante o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

No Brasil, 56% dos leitos de UTI, estratégicos para o tratamento da covid-19, pertencem à rede privada. Mas, a rede coberta por planos de saúde atende a apenas 25% dos brasileiros. Os restantes 44% de leitos são administrados pelo SUS para atender a 75% da população do país.
Prefeitura do Rio fez, na última quinta-feira, a primeira ação para requisição administrativa de equipamentos hospitalares para o enfrentamento da epidemia do coronavírus - O DIA FOTO
Professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, da campanha Vidas Iguais, ressalta que, somadas as estruturas das redes pública e privada, o país tem entre 2 e 2,6 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes. "Este número não é ruim. É melhor do que o índice da Itália e do Reino Unido, por exemplo. O problema é que estes leitos estão concentrados social (usuários de planos de saúde) e geograficamente", explica.

Para enfrentar a desigualdade no acesso ao tratamento durante a pandemia do novo coronavírus e minimizar os impactos de um colapso no sistema de saúde, os grupos de pesquisadores defendem que o atendimento aos pacientes graves com covid-19 sejam feitos de acordo com os quadros clínicos, independentemente do infectado ser coberto por plano de saúde.

Além de enfrentar a desigualdade social, a medida poderia minimizar a desigualdade na distribuição geográfica das estruturas hospitalares. Sob a coordenação do Ministério da Saúde, os leitos e equipamentos poderiam ser deslocados para estados e regiões provisoriamente e mediante indenizações. "Não sabemos como vai ser o perfil da epidemia", ressalta Serrano.
Publicidade
Montagem de hospital de campanha para tratamento de pacientes com covid-19 no Rio Centro, Zona Oeste do Rio - Ricardo Cassiano/ Agência O Dia
O professor de Direito Constitucional da PUC-SP, especializado em situações de emergência, considera que seja questão de tempo para que os estados precisem requerer os leitos das unidades privadas. Pedro Serrano defende uma antecipação do Ministério da Saúde, neste sentido, para evitar que as medidas sejam tomadas pelos estados sem uma coordenação federal.

"O ideal era que a coordenação fosse feita pelo SUS em nível Federal. O Ministério da Saúde já deveria ter apresentado diretrizes e protocolos. É preciso iniciar o planejamento para o momento em que as requisições precisarem ser feitas", afirma Pedro Serrano.
Desigualdade de acesso à Saúde no Rio
Publicidade
Pesquisador em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leonardo Mattos chama a atenção para a desigualdade de acesso às UTIs e a respiradores no Estado do Rio de Janeiro.

"No caso do Rio, temos 4.715 leitos de UTI disponíveis para 33,2% da população coberta por plano de Saúde. Enquanto que o SUS dispõe de 1.626 leitos para atender 76% da população fluminense", diz Mattos. Um dos articuladores da campanha Leito para Todos, ele acrescenta que a rede privada concentra 4.492 respiradores, enquanto o SUS conta com 3.035. Os dados são do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.

“Não basta construir leitos de UTI, como os governos estaduais vêm fazendo. Mais do que isso, a gente está preocupado com o acesso aos leitos e aos respiradores, essenciais pra tratar a covid-19”, completa Mattos.
Covid-19 matou 637 pessoas na Espanha em 24 horas, no quarto dia consecutivo de queda nos óbitos. A desaceleração no contágio se dá em contexto de duras medidas de isolamento - Pierre-Philippe Marcou/ AFP
Diante da crise na Saúde provocada pela pandemia, a Espanha decidiu estatizar o sistema de saúde provisoriamente. No Brasil, o requerimento de leitos e equipamentos da rede privada seria feito mediante indenizações às unidades hospitalares. "Nossa legislação tem uma medida mais light (que a adotada pela Espanha) e é tão eficaz quanto. Você pode requisitar o leito e o equipamento, mediante indenização, e manter a gestão privada", conta o professor de Direito Constitucional da PUC-SP.
Publicidade
"Os hospitais particulares continuariam atendendo com seus quadros normalmente, mas o SUS que regularia a fila de entrada dos pacientes", completa o pesquisador em Saúde Coletiva da UFRJ Leonardo Mattos.

A proposta de fila única para a covid-19 é embasada pelas duas campanhas na Lei de Calamidade Pública, na Lei Orgânica da Saúde e na própria Constituição Federal, que prevê a requisição de estruturas particulares, mediante pagamento de indenização, durante situações de emergência.
Os decretos de calamidades das principais capitais e estados também preveem as medidas, ressaltam os pesquisadores. "Isso está embasado juridicamente. O que a gente precisa é que os governos estaduais e o Ministério da Saúde tomem atitudes nesta direção. O que até agora, não aconteceu", afirma Leonardo Mattos.

SUS tem experiência de fila única

A fila única proposta para atendimento de pacientes graves com covid-19 já é exercida nos casos de transplantes de órgãos no SUS. "Hoje para fazer transplante no Brasil, não importa se você tem ou não plano de saúde. Você vai entrar na mesma fila e quando o órgão tiver disponível, você vai fazer o transplante. É mais ou menos isso que a gente quer fazer em relação a leitos de UTI”, resume Leonardo Mattos.

Harvard sugere controle do governo federal sobre rede de Saúde

Um estudo da universidade americana de Harvard encomendado pelo Ministério da Saúde brasileiro propôs que o governo federal controle os hospitais privados durante a pandemia para amenizar a crise. A pesquisa aponta que o Brasil enfrentará falta de UTIs, leitos e ventiladores mecânicos nas principais capitais ainda no mês de abril por causa da pandemia.

A informação foi divulgada pelo secretário de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, durante coletiva de imprensa.