Publicado 10/09/2020 11:22
Rondônia - Um dos principais indigenistas em atividade no país, Rieli Franciscato, de 56 anos, foi morto na última quarta-feira com uma flechada no peito ao se aproximar de um grupo de indígenas isolados, em Rondônia. Rieli era considerado um dos mais experientes indigenistas no monitoramento dos grupos isolados no país e um dos principais defensores dos isolados em atividade no Brasil, além de ser uma referência para os servidores mais jovens. Ele tinha cerca de 30 anos de experiência na Funai (Fundação Nacional do Índio).
No momento de sua morte, o indigenista tentava evitar um atrito entre os isolados e a população não indígena que presenciou o aparecimento repentino dos indígenas em um sítio na zona rural de Seringueiras, em Rondônia.
Segundo relatos, no final da manhã, a Polícia Militar recebeu um telefonema sobre o aparecimento dos isolados perto de um sítio em Seringueiras. À tarde, Rieli foi ao posto policial e pediu ajuda para ir à região e checar o que tinha acontecido. O grupo que foi ao sítio era formado por dois PMs, Rieli e um indígena amigo do servidor. De acordo com o policial, no sítio o grupo percebeu pegadas que levavam à terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau. O grupo seguiu para lá, para descobrir se os indígenas haviam regressado para a mata. Nesse momento, já dentro da terra indígena, Rieli subiu em um pequeno morro para observar a região de um ponto mais alto.
"A gente só escutou o barulho da flecha, pegou no peito dele, aí ele deu um grito, 'oi', arrancou a flecha, voltou para trás correndo, ele conseguiu correr de 50 a 60 metros e caiu praticamente morto. A gente conseguiu deslocar ele para a viatura, que estava na estrada, viemos para trazer ele no hospital mas ele chegou sem vida. E o nosso amigo se foi, infelizmente."
'Perda incalculável'
O indigenista Antenor Vaz, antigo amigo e colega de Rieli na Funai, disse que a morte dele "é uma tragédia absolutamente inesperada".
"Nós [indigenistas] nos colocamos entre os índios isolados e aqueles que ameaçam os índios. Só que os índios não sabem quem são seus defensores. É uma perda incalculável, principalmente para aquela região de Rondônia e Mato Grosso, onde o trabalho dele era muito necessário, uma região de muitos conflitos. Todos os indigenistas estão em luto profundo, um sentimento de grande tristeza. Perdemos justamente uma pessoa que representa a proteção dos isolados.", lamentou Vaz.
A antropóloga e indigenista Leila Burger Sotto-Maior, ex-coordenadora do setor de índios isolados e de recente contato da Funai, em Brasília, disse que Rieli era "um homem que abriu mão de muita coisa pessoal para se dedicar à proteção dos índios isolados".
O ex-presidente da Funai e sertanista Sidney Possuelo disse, em nota, que a circunstância da morte de Rieli, seu amigo, "demonstra o descaso e a irresponsabilidade do governo Bolsonaro com relação às questões que envolvem os índios e os funcionários das Frentes de Proteção Etno Ambiental, que são a vanguarda dos trabalhos na selva. Rieli pediu auxílio à Polícia porque não tinha funcionários para acompanhá-lo".
"Realmente o governo consegue destruir a Funai como instituição, desamparando os funcionários que estão na missão mais difícil e perigosa e, acelerando o processo de destruição dos Povos Indígenas Isolados ou não", disse Possuelo.
A Funai manifestou "imenso pesar" pela morte do servidor. Em nota, disse que "a fundação lamenta profundamente a perda e manifesta solidariedade aos familiares e colegas do servidor. As equipes da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e das Frentes de Proteção Etnoambiental se despedem de Rieli com carinho, respeito e admiração".
O atual coordenador do setor, Ricardo Lopes Dias, disse, através da assessoria, que Rieli "dedicou a vida à causa indígena. Com mais de três décadas de serviços prestados na área, deixa um imenso legado para a política de proteção desses povos".
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