BBC Por BBC News Brasil
O novo ministro da saúde, Marcelo Queiroga
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Em dia marcado por uma polêmica sobre os dados da covid-19 no país, o novo ministro da saúde, Marcelo Queiroga, promete 'transparência'
Na terça-feira (23/03), a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde fez algumas alterações no sistema informatizado que ajuda a contabilizar os casos e as mortes por covid-19.
A partir de então, para abrir uma ficha de um novo caso de internação pela doença, seria necessário informar o Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou o Cartão Nacional de Saúde (CNS) do indivíduo.
O problema é que nem sempre os profissionais da saúde (que são responsáveis por fazer todo esse procedimento burocrático) têm essas informações em mãos.
As mudanças deixaram o sistema ainda mais lento, o que dificultou a inclusão de novas informações no pior momento da pandemia, com um crescimento exponencial da quantidade de infectados e mortos pela infecção com o coronavírus.
"É como se estivessem trocando as peças de um carro que está em alta velocidade", descreve o pesquisador em saúde pública Marcelo Gomes, do Programa de Comunicação Científica da Fundação Oswaldo Cruz.
Para completar, a alteração não foi informada aos Estados e Municípios, o que gerou protestos do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
Após pressão das equipes de vigilância em saúde, o ministério voltou atrás e retirou a obrigatoriedade de informar o CPF, entre outros dados.
A informação foi confirmada numa nota assinada em conjunto por representantes do Conass e do Conasems.
Numa coletiva de imprensa realizada na tarde desta quarta-feira (24/03), o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez comentários sobre a polêmica:
"Em relação a essa questão da notificação de óbitos, o ministério vai funcionar 24 horas, vai existir uma secretaria para discutir esse tema e o compromisso do governo é com a transparência. Nós vamos colocar os dados de maneira clara não só em relação aos óbitos, mas também sobre a disponibilidade de leitos e o diagnóstico. Vamos fazer essa questão de maneira muito transparente para que a população brasileira tenha confiança no Estado", discursou.
"Agora há pouco, estive no Conasems e no Conass e tratei da questão de uma maneira muito fraterna, como não poderia deixar de ser", completou Queiroga
Especialistas indicam que esses percalços nos sistemas de notificação podem afetar a contabilização de mortes por covid-19 e até provocar uma diminuição artificial nos números nos boletins epidemiológicos divulgados a partir de hoje.
Na prática, o total de óbitos que será notificado pode ficar ainda mais distante da realidade que acontece no país.
Mas qual a razão dessas mudanças justamente agora?

Mais clareza nos dados

A legislação brasileira estabelece que todo paciente que é internado no hospital com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) precisa obrigatoriamente ter seus dados notificados ao Ministério da Saúde por meio do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (conhecido como Sivep-Gripe).
Esse sistema é utilizado há anos e permite saber quantos casos de infecções respiratórias necessitaram de hospitalização e evoluíram para óbito no país.
No contexto da pandemia, a maioria dos indivíduos que apresentou problemas deste tipo em 2020 e 2021 teve covid-19.
No dia 23 de março, o Ministério da Saúde modificou esse sistema e tornou alguns campos de preenchimento obrigatório.
A principal alteração era a necessidade de ter o número de CPF ou do CNS do paciente.
"A ideia até é boa. O CPF ou o CNS evitam duplicidades, ajudam na identificação de suspeita de reinfecção e permitem o cruzamento com outros bancos de dados", avalia Gomes.
"Mas há problemas de ordem prática. Isso implica a necessidade de o paciente estar com o CPF em mãos. Do contrário, o agente de saúde tem que pesquisar o CNS ou fazer um novo cadastro", completa.
A ficha completa é dividida em 83 campos diferentes, alguns deles com mais de uma pergunta.
Essas informações são espalhadas em quatro categorias: obrigatórias, essenciais, internas e opcionais.
Como o próprio nome já adianta, sem as informações consideradas obrigatórias, ficava impossível fazer uma nova notificação no Sivep-Gripe.
"Com isso, aquelas fichas atrasadas que precisariam ser digitadas e não têm informação do CPF não entrariam no sistema, já que esse campo passaria a ser obrigatório", explica o estatístico e pesquisador em saúde pública Leonardo Bastos, da FioCruz,
Outra modificação importante no Sivep-Gripe foi a criação de um módulo para saber se o paciente hospitalizado já foi vacinado ou não — assim, seria possível medir a efetividade dos imunizantes e entender como eles estão se saindo no mundo real.

Problemas e entraves

As modificações pegaram de surpresa as equipes de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia.
"O pessoal que faz a vigilância estava pirando", aponta Gomes.
Cemitério no Brasil
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Alterações do sistema poderiam aumentar ainda mais a subnotificação de mortes por covid-19 no país
Além do aumento da demanda (mais pacientes é sinônimo de mais fichas que precisam ser preenchidas), as alterações deixaram o Sivep-Gripe lento e instável nas últimas horas.
Portanto, num momento em que os novos casos de covid-19 sobem vertiginosamente, a tendência era que a pilha de fichas fora do sistema só cresceria.
Isso, por sua vez, levaria a uma subnotificação ainda maior de casos e mortes pela doença.
Bastos entende que isso poderia ter um impacto imediato e também no longo prazo.
"Os dados que usamos para fazer análises sobre a pandemia são referentes à semana passada, então pode ser que os próximos relatórios apresentassem problemas", avalia.
Após a pressão das equipes de vigilância, que se sentiram muito pressionadas pela nova determinação, a obrigatoriedade do CPF ou do CNS foi suspensa por enquanto pelo Ministério da Saúde.

Pontos de vista

O Conass e o Conasems lançaram uma nota em conjunto para esclarecer que pediram "a retirada temporária da obrigatoriedade do preenchimento de campos como CPF, CNS, nacionalidade e imunização do paciente internado no sistema Sivep Gripe".
"A solicitação ocorreu pela ausência de comunicado aos estados e municípios em tempo oportuno. Houve o compromisso do ministério de que a solicitação será atendida ainda hoje", completam as entidades.
Por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa, o Ministério da Saúde confirmou a suspensão:
"A medida foi realizada após solicitação do Conass e Conasems pela ausência de comunicado aos estados e municípios em tempo oportuno. A pasta esclarece que, desde ontem, foi observada uma instabilidade no SIVEP-Gripe relacionada às atualizações do sistema."

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