Em 2020, o presidente Jair Bolsonaro editou 40 medidas provisórias (MPs) que abriram um total de R$ 673,5 bilhões em créditos extraordinários para o combate à pandemia. A primeira delas (MP 924/2020), publicada no dia 13 de março daquele ano, representou o início do esforço orçamentário do Poder Executivo contra o coronavírus. No intervalo de 293 dias contados de 13 de março a 31 de dezembro, o Palácio do Planalto pagou efetivamente R$ 554,5 bilhões — uma média diária de R$ 1,892 bilhão.
Neste ano, Bolsonaro editou seis medidas provisórias que abrem crédito extraordinário para o enfrentamento da covid-19. Além disso, assinou dois decretos para reabrir créditos remanescentes de 2020. O valor total autorizado desde 1º de janeiro chega a R$ 74,1 bilhões. Desse montante, R$ 15,7 bilhões foram efetivamente pagos nos 100 primeiros dias de 2021. A média diária no período é de R$ 157 milhões. Os valores estão corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Os créditos extraordinários representam 99,8% de toda a verba aplicada pelo governo federal no combate à pandemia. Apenas 0,2% é oriundo de fontes orçamentárias e créditos especiais ou suplementares. No ano passado, o dinheiro foi usado para financiar mais de 50 iniciativas para o enfrentamento do coronavírus. Entre elas, o auxílio emergencial; o auxílio financeiro a estados, Distrito Federal e municípios; e as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública.
Apenas o auxílio emergencial consumiu R$ 311,1 bilhões em 2020. Isso equivale a mais da metade (56,1%) de tudo o que o país desembolsou para o combate à covid-19 naquele ano. Considerando o intervalo de 293 dias entre 13 de março e 31 de dezembro, o auxílio emergencial significou um repasse médio de R$ 1,06 bilhão por dia em 2020.
A realidade é bem diferente em 2021. Após suspender novos pagamentos do auxílio emergencial por três meses e reduzir o valor do benefício a partir de abril, o Poder Executivo pagou efetivamente R$ 6,6 bilhões para os brasileiros mais vulneráveis desde o início do ano. A média diária de R$ 66,5 milhões representa um resultado 15,9 vezes inferior ao verificado em 2020.
O Poder Executivo também cortou a média diária de pagamentos para o enfrentamento da emergência de saúde pública. Essa ação engloba medidas como compra de insumos, equipamentos de proteção individual e testes de detecção, capacitação de agentes de saúde e oferta de leitos de unidade de terapia intensiva.
Em 2020, o país aplicou R$ 46,3 bilhões nas medidas de enfrentamento — uma média diária de R$ 158 milhões. Nos primeiros 100 dias de 2021, o valor efetivamente gasto foi de R$ 5,6 bilhões. Isso equivale a R$ 56,7 milhões por dia — um resultado 2,7 vezes pior do que a média do ano passado.
O benefício para manutenção do emprego e da renda também sofreu cortes. Os R$ 35 bilhões liberados em 2020 perfizeram uma média de R$ 120,7 milhões por dia. Em 2021 foram pagos R$ 505,4 milhões. Isso reduz a média diária para R$ 5 milhões — um desempenho 24,1 vezes inferior ao do ano passado.
Momento crítico
O presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), senador Humberto Costa (PT-PE), condena a redução de despesas para o enfrentamento do coronavírus no momento mais grave de evolução da pandemia. Para ele, os números demonstram “uma ação voluntária, criminosa e genocida” que deve ser investigada pela CPI da Covid, prestes a ser instalada no Senado.
"Esses números nos dão a clareza de um governo que, deliberadamente, age em favor da pandemia. Não é um governo omisso. Ao contrário, é um governo que age ativamente para boicotar o controle do coronavírus. Estamos vivendo os piores momentos da crise, com 350 mil mortos e a perspectiva de 100 mil somente neste mês de abril. E isso é reflexo do enorme desinvestimento que a gestão de Bolsonaro vem fazendo ao longo deste ano nessa área. De um lado, meteu o garrote nos recursos, fechando hospitais de campanha e deixando uma série de unidades de saúde sem leitos e até mesmo sem kit intubação. De outro, largou o povo à míngua, com o corte de dois terços no valor do auxílio emergencial. É uma ação voluntária criminosa, genocida, que será devidamente investigada pela CPI da Covid no Senado", afirma Costa, que foi ministro da Saúde entre 2003 e 2005.
O senador Jorginho Mello (PL-SC) é vice-líder do Governo no Congresso Nacional. Ele reconhece que o orçamento de 2021 está “muito apertado”, mas defende a liberação de mais recursos para o combate à pandemia. Ele cita como exemplo o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que no ano passado recebeu R$ 39,9 bilhões para compensar perdas provocadas pelo surto de coronavírus. Em 2021, nem um real foi sequer autorizado pelo Poder Executivo.
"O orçamento que aprovamos é muito apertado, com muitas despesas. A máquina do governo federal e as instituições são muito pesadas. É quase um orçamento de guerra, e a pandemia tirou muito dinheiro do governo. Mas é um orçamento apertado com ajuda aos menos favorecidos. Tem que emprestar para os micro e pequenos empresários. Tem que emprestar mais! Agora! No mínimo, começar com R$ 5 bilhões para salvar quem produz e quem trabalha de verdade nesse país", avalia Mello, que foi autor do projeto de lei que deu origem ao Pronampe.
Espaço no orçamento
Salto pondera, no entanto, que “eventuais necessidades adicionais” vão demandar a liberação de novos créditos extraordinários pelo Poder Executivo. Para 2021, a tendência é de déficit elevado e alta da dívida bruta, que deve alcançar 92,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o diretor-executivo da IFI, o recrudescimento da pandemia pode comprometer o crescimento do PIB. Por isso, ele aposta na vacinação “rápida e intensa” como ferramenta para assegurar a recuperação da economia.
"Um exercício de simulação ajuda a compreender os efeitos da covid sobre a economia e, consequentemente, sobre as contas públicas. Atualmente, projetamos crescimento de 3% para o PIB. Mas, se houver necessidade de medidas restritivas à circulação por mais tempo, essa projeção poderá diminuir. Se for necessário manter medidas do tipo lockdown parcial ou mais intenso por quatro semanas, abrangendo 50% dos setores de produção, isso retiraria um ponto percentual do crescimento do PIB. Por isso, quanto mais rápida e intensa a vacinação, tanto melhor seria o quadro de recuperação econômica", avalia Felipe Salto.
O consultor-geral em exercício da Conorf, Flávio Luz, avalia que o cenário fiscal para 2021 depende de quanto será investido no auxílio emergencial e do resultado da campanha de vacinação. Ele lembra que, além do teto de gastos, o governo federal deve observar a meta fiscal, fixada este ano em R$ 247 bilhões. Eventuais ações implementadas por meio de medidas provisórias não impactam o teto, mas sim essa meta definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
"O último relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do Ministério da Economia mostra uma leve recuperação em termos de receitas. A situação fiscal é delicada e exige acompanhamento e ação rápida por parte do Executivo. Uma questão importante nesse sentido é a tramitação do PLP 10/2021, que voltou ao Senado após alteração na Câmara. Esse projeto traz medidas de alívio para o endividamento de estados, Distrito Federal e municípios, bem como a possibilidade de utilização de saldos de recursos financeiros dos fundos de saúde e de assistência social estaduais e municipais. Estima-se que o alcance financeiro, apenas dos fundos de saúde, é de aproximadamente R$ 23,8 bilhões, sendo R$ 9,5 bilhões para os estados e o Distrito Federal e e R$ 14,3 bilhões para os municípios", explica Flávio Luz.
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