Publicado 24/06/2021 16:55 | Atualizado 20/07/2021 18:01
Há duas semanas, indígenas de diferentes etnias têm realizado protestos em Brasília, no Distrito Federal, contra o Projeto de Lei 490, de 2007, que altera a legislação da demarcação das terras e dos acessos a povos isolados. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara dos Deputados, aprovou o projeto nesta quarta-feira, 23, por 40 votos favoráveis e 21 contrários. Com a liberação, altera-se o Estatuto do Índio definido na Constituição de 1988.
De acordo com especialistas, o PL prevê uma série de ataques aos povos indígenas no Brasil. O principal deles é a criação de um "marco temporal" que define que para a demarcação de terras os indígenas devem estar ocupando ou usando o local desde 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal, restringindo assim novas demarcações.
De acordo com especialistas, o PL prevê uma série de ataques aos povos indígenas no Brasil. O principal deles é a criação de um "marco temporal" que define que para a demarcação de terras os indígenas devem estar ocupando ou usando o local desde 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal, restringindo assim novas demarcações.
Dinamam Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), acredita que o projeto tenta alterar a responsabilidade de quem tem competência de demarcar, tirando do Poder Executivo e levando para o Legislativo. Além disso, vai dificultar e paralisar, de uma vez por todas, as demarcações das terras indígenas.
“Esse projeto de lei é um pacote de maldades. Inicialmente, foi pensado para dialogar o estatuto do índio, porém foram realizadas várias substituições e trouxeram debates que não competem ser regulamentados dentro de um PL. Incluído nisso, há termos que são exclusivamente constitucionais, como a questão do marco temporal”, disse Tuxá.
Flávio de Araújo, doutor e professor de Geografia da Faculdade Anhanguera de Niterói, diz que esse marco temporal é considerado um dos maiores retrocessos do governo atual. “Entregar, em pleno século XXI, esse tipo de proposta só sobrepõe a ideia de colonizar, explorar e abusar ainda mais dessas pessoas", afirma ele.
Ainda de acordo com Araújo, a proposta é totalmente na direção oposta na qual os povos indígenas deveriam receber de direitos. "Compreender que não estamos mais na mentalidade dos séculos XV e XVI já é um avanço. Deveríamos estar falando em promover ações que incluam os grupos indígenas, respeitando suas características, culturais e religiosidade. Não precisamos 'catequizar' nenhum deles e muito menos impor os modos de vida da sociedade de consumo”, diz o especialista.
De acordo com o jurídico do Conselho Indigenista Missionário, os povos indígenas só teriam direito à demarcação daquelas terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988. "E isso é muito sério, pois demonstra a total falta de preocupação com os indígenas deste país. Se não bastasse tudo que já passaram desde a colonização, aos trabalhos escravos e tantos outros absurdos por séculos”, conclui o professor.
Relator do projeto
De acordo com Arthur Maia (DEM-BA), relator do projeto, o marco temporal de 1988 já tem jurisprudência do Supremo Tribunal Fereral (STF) e tomou como base o julgamento da demarcação da terra indígena Raposo Serra do Sol, em Roraima. O relator deu entendimento de renitente esbulho, como conflito possessório. O texto apresentado por Maia torna obrigatória a participação de estados e municípios nos procedimentos de demarcação em que se localize a área determinada e das comunidades interessadas.
Segundo o projeto, o processo será aberto a manifestantes interessados e a entidades da sociedade civil, do início do processo administrativo demarcatório. A proposta abre espaço para exploração, em terras indígenas, e permite a retomada de áreas reservadas destinadas aos índios, em razão da alteração dos traços culturais ou por decurso do tempo.
Segundo o projeto, o processo será aberto a manifestantes interessados e a entidades da sociedade civil, do início do processo administrativo demarcatório. A proposta abre espaço para exploração, em terras indígenas, e permite a retomada de áreas reservadas destinadas aos índios, em razão da alteração dos traços culturais ou por decurso do tempo.
Impacto nacional
Atualmente, no Brasil, há cerca de 800 mil indígenas, que ocupam cerca de 13% do Brasil. A maioria do território ocupado por eles fica na Amazônia Legal. Entretanto, suas terras são constantemente ameaçadas e invadidas, comprometendo assim, a sua sobrevivência, já que as atividades indígenas são tradicionalmente vinculadas à terra.
Karibuxi, idealizadora do ProIndígenas e coidealizadora do Boletim IndígenasCovid, considera a proposta uma continuidade de um projeto colonial que se estende há 521 anos.
“Esse PL visa os anseios da bancada ruralista, da bancada evangélica e da bancada da bala, pois abre passagem, não somente para a invasão dos territórios pelo agronegócio, grileiros, madeireiros, narcotráfico, garimpeiros, mas também aos missionários que a todo custo tentam catequizar e alcançar os povos em isolamento voluntário, levando sério risco de genocídio para estas populações", afirma.
Ainda segundo Karibuxi, o PL fere a constituição federal e os tratados internacionais que o Brasil é signatário, como a OIT 169, que garante autonomia e autodeterminação dos povos. "É um PL inconstitucional. Os não indígenas acham que este PL irá afetar somente os povos indígenas, mas ele afetará a todos, seja ele residente em cidade pequena ou grande, pois são os povos indígenas que protegem 80% da biodiversidade do planeta”, afirmou Karibuxi.
A violência e as invasões se devem ao fato de que áreas indígenas impedem a exploração dos recursos naturais pelo setor privado, o que gera conflitos. É importante ressaltar que, no Brasil, a apropriação das terras indígenas por fazendeiros e empresários já destruiu diversas comunidades.
Desde 2010, os conflitos já causaram a morte de mais de 350 indígenas. Na maioria das vezes, são causadas por fazendeiros e empresas de exploração de madeira ou minério.
O relator Maia justificou a proposta afirmando que pretende conceder aos indígenas as condições jurídicas em diferentes graus de interação com a sociedade. “Exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas”, alegou.
“Tratar da questão indígena requer muita responsabilidade política. Uma porção de terra pode ser economicamente muito ambicionada, seja pelo possível preço de sua comercialização, seja pela possibilidade de uso e extração de recursos naturais diversos, como por meio do garimpo e da mineração. Mas lembremos que o mesmo território para uma comunidade tradicional indígena é um espaço culturalmente histórico e sagrado, em seus rios, vegetação e formações do relevo”, afirma Leandro Dias de Oliveira, pós-doutor em Políticas Públicas e Formação Humana e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Dias ainda pontua as tradições e o impacto cultural do projeto para os povos indígenas. “Além da gigantesca importância cultural e do necessário respeito às tradições dos grupos indígenas, também devemos levar em conta a seguinte questão: tais povos têm sabido viver de forma mais harmônica com a natureza. Em meio às propostas de retirar, dificultar, alterar e restringir a demarcação das terras indígenas, há um claro projeto de desenvolvimento avassalador, social e economicamente excludente e destruidor do meio ambiente”, conclui o pós-doutor em Políticas Públicas e Formação Humana.
*Estagiários sob supervisão de Marina Cardoso
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