Publicado 21/09/2021 11:17
Mantendo as tradições da Assembleia-Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro fez o discurso que abre o evento nesta terça-feira, 21, em Nova York, nos Estados Unidos. Diferentemente do discurso moderado que muitos esperavam, por conta dos últimos acontecimentos, o mandatário afirmou que antes do seu governo o Brasil estava "à beira do socialismo" e voltou a defender o chamado tratamento precoce, comprovadamente ineficaz, diante dos 193 Estados que participam do evento.
Logo de início, o chefe do Executivo afirmou que mostraria em sua fala um Brasil diferente do que é mostrado pela mídia. "É uma honra abrir novamente a assembleia geral da ONU, vim mostrar um Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões. O Brasil mudou e muito depois que assumimos o governo em janeiro de 2019. Estamos há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção. O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição, valoriza a família e deve lealdade ao seu povo. Isso é muito, é uma sólida base se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo", disse.
Já sobre a pandemia de covid-19, Bolsonaro lamentou as vidas perdidas e voltou a defender o tratamento precoce, que já teve sua ineficácia comprovada. Na ocasião, o presidente disse que não entende "por que muitos países se posicionaram contra o tratamento inicial" e afirmou, ainda, que o país concedeu um auxílio emergencial de 800 dólares aos mais necessitados, o que seria equivalente a cerca de R$ 4.240, pela cotação atual do câmbio:
"A pandemia pegou a todos de surpresa em 2020, lamentamos todas as mortes ocorridas no Brasil e no Mundo. Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação, em especial nos gêneros alimentícios no mundo todo. No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados a ficarem em casa por decisão de governadores e prefeitos, concedemos um auxílio emergencial de 800 dólares para 68 milhões de pessoas".
Apesar de se declarar a favor da vacina, o presidente se mostrou contrário ao passaporte sanitário para entrar nos estabelecimentos. Em Nova York, onde acontece a Assembleia, o passaporte é uma realidade e, por isso, Bolsonaro tem precisado encontrar alternativas para jantar, por exemplo, justamente por ser o único líder do G-20 que ainda não se vacinou. Nas principais capitais do país, como Rio de Janeiro e São Paulo, o comprovante de vacinação já é exigido para entrar em lugares como cinemas, academias, estádios, atrações turísticas, museus e outros espaços de uso coletivo.
"Apoiamos a vacinação, contudo, o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina. Desde o início da pandemia apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label. Não entendemos porque muitos países, junto com grande parte da mídia se colocaram contra o tratamento inicial, a história e a ciência saberão responsabilizar a todos", ponderou.
Ainda segundo Bolsonaro, "até o momento o governo federal distribuiu mais de 260 milhões de doses de vacinas e mais de 140 milhões de brasileiros já receberam pelo menos a primeira dose, o que representa quase 90% da população adulta. 80% da população indígena também já foi totalmente vacinada. Até novembro, todos que escolheram ser vacinados no Brasil serão atendidos".
Desenvolvimento econômico
Durante todo o discurso, o presidente Bolsonaro mostrou na prática sua intenção de "mostrar um Brasil diferente" e favoreceu o seu governo. Em busca de novos investidores, o mandatário disse que o país tem, atualmente, "o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história".
"Nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares, hoje são lucrativas. Nosso banco de desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias. Quem honra esses compromissos é o próprio povo brasileiro. Tudo isso mudou. Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada", afirmou.
"O Brasil possui o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história. Programa que já é uma realidade e está em franca execução. Até aqui, foram contratados US$ 100 bilhões de novos investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas (...). Temos tudo o que investidor procura: um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo", acrescentou Bolsonaro.
Cenário ambiental
O chefe do Executivo aproveitou a oportunidade para dar também um parecer sobre o cenário ambiental do Brasil, que é considerado uma das maiores potenciais ambientais do mundo. Durante sua fala, Bolsonaro disse que "nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa" e que "nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países".
"Somente no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta. Lembro que a região amazônica equivale à área de toda a Europa Ocidental.Antecipamos, de 2060 para 2050, o objetivo de alcançar a neutralidade climática. Os recursos humanos e financeiros, destinados ao fortalecimento dos órgãos ambientais, foram dobrados, com vistas a zerar o desmatamento ilegal", declarou o presidente, que complementou:
"E os resultados desta importante ação já começaram a aparecer. Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% do desmatamento no mês de agosto, quando comparado a agosto do ano anterior. Qual país do mundo tem uma política de preservação ambiental como a nossa? Os senhores estão convidados a visitar a nossa Amazônia!".
No entanto, os índices do presidente podem ser questionados. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento continua avançando na Amazônia brasileira, com área devastada próxima ao recorde registrado no último ano de referência, de agosto a julho. Nos últimos 12 meses, a maior floresta tropical do planeta perdeu 8.712 km², 5% a menos que os 9.126 km² do período anterior, entre agosto de 2019 e julho de 2020, o máximo registrado desde Inpe começou a publicar esses dados em 2015.
O Observatório do Clima, um coletivo de ONGs, estima, ainda, que a média de áreas desmatadas durante os três ciclos correspondentes ao governo de Bolsonaro é 70% maior do que nos três ciclos anteriores.
Diante dos 193 Estados que participam da Assembleia-Geral, o mandatário acrescentou que "o futuro do emprego verde está no Brasil: energia renovável, agricultura sustentável, indústria de baixa emissão, saneamento básico, tratamento de resíduos e turismo".
Marco Temporal
Sem citar o julgamento do Marco Temporal, que prevê a demarcação de terras indígenas, Bolsonaro chegou a dizer, em seu discurso, que 600 mil índios vivem em liberdade em 14% do território nacional. Não há informações sobre a fonte desses dados, assim como de nenhum outro.
"14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, uma área equivalente a Alemanha e França juntas, é destinada às reservas indígenas. Nessas regiões, 600 mil índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades", acrescentou o presidente.
Atualmente, o julgamento da tese está suspenso, após o pedido de vista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. O placar do julgamento está empatado em 1 à 1 e discute a disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani e a posse de parte da TI é questionada pela procuradoria do estado.
Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época.
7 de setembro
Bolsonaro citou, ainda, as manifestações ocorridas no último dia 7 de setembro, em favor ao governo. Segundo ele, "No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história".
Apesar de não existir um balanço nacional, o argumento do mandatário não é sustentável. O balanço da Polícia Militar aponta a presença de 125 mil pessoas na Avenida Paulista, enquanto a capital paulista tem cerca de 12,3 milhões de habitantes.
Já em março de 2016, a corporação estima de 3,8 milhões de brasileiros foram às ruas contra a então presidente Dilma Rousseff e essa, possivelmente, seria a maior manifestação da história brasileira.
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