Policial apontou a arma para a profissional de comunicação por 17 segundosReprodução: TV Globo

Durante a gravação de uma reportagem sobre as mortes ocorridas durante a Operação Escudo — a ação deixou 16 mortos na Baixada Santista —, na comunidade Prainha, no Guarujá, no litoral de São Paulo, um policial militar foi filmado apontando um fuzil por 17 segundos para a jornalista Danielle Zampollo, da 'TV Globo'. A ação foi exibida no programa 'Profissão Repórter' na noite desta terça-feira, 15.
Segundo Danielle, ela se apresentou aos policiais e perguntou que trabalho eles iam fazer na comunidade naquele dia. O policial em questão não responde, e a jornalista pega o próprio celular para filmar a entrada dos agentes no local. Ela ainda ressalta: "Tô mostrando o trabalho de vocês, tá bom?".
"Eu tinha acabado de chegar lá e eu tava com o meu celular, eu tinha deixado a câmera no carro, porque eu fui mesmo para apurar, para checar as informações. E chega ao local uma viatura do COI (Centro de Operações Integradas), da Polícia Militar", contou a repórter. "Para mim foi natural. Eu levantei o celular, para não perder tempo, e comecei a registrar a entrada dos policiais na comunidade", acrescentou.
Danielle explica que se apresentou como profissional de reportagem e, mesmo assim, o policial apontou a arma em direção a ela, que fica na mira por 17 segundos. "Quando ele começou a apontar o fuzil para mim, e manteve a arma apontada, eu estranhei. Achei que estivesse acontecendo alguma coisa. Olho pra trás e não tem ninguém. Só eu, numa viela estreita. Aí que eu vi que era comigo. Ele ficou 17 segundos apontando o fuzil pra mim, sem parar".
Ela também conta que depois disso decidiu se proteger em uma casa nas proximidades. A jornalista se apresentou ao morador e pediu para ficar na porta dele, para sair da mira do agente. O mesmo policial que apontou o fuzil também filmou a repórter no momento em que ela muda de direção.
Nas redes sociais, o vídeo do PM conta com a acusação de que a jornalista estava ali para flagrar alguma irregularidade dos policiais. "Eu estava ali para sair da mira do fuzil do policial", desabafa Danielle.
De acordo com a 'TV Globo', o agente não utilizava nenhuma identificação na farda. A emissora questionou o comandante-geral da PMESP, Cássio Araújo de Freitas, sobre a situação.
"O policial, quando ele entra em um local de alto risco, ele tem que entrar com todas as cautelas. Ele não sabia que a sua jornalista estava lá", disse o comandante.
Caco Barcellos, apresentador do programa, argumenta que o policial sabia que Danielle havia se identificado. "Inclusive, ele fez uma filmagem dela e colocou nas redes sociais, como se ela tivesse ali indevidamente trabalhando, por ser uma favela".
O comandante então afirma que não tinha conhecimento dos detalhes da situação. "Eu vi a foto, mas esses detalhes nós não tínhamos esse conhecimento que você está me trazendo agora".
Operação Escudo
A ação, iniciada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) no dia 28 de julho, na Baixada Santista, em resposta ao assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota, resultou em 16 mortes e já é a mais letal do estado desde 2006. 
Segundo o balanço mais recente divulgado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, a operação também chegou ao total de 160 prisões.
Ao todo, quase 480 quilos de drogas ilícitas também foram apreendidas por agentes das duas corporações, além de 22 armas de fogo, entre pistolas e fuzis. A Polícia Civil do Guarujá finalizou o inquérito sobre o assassinato do soldado da Rota e indiciou três pessoas pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio e associação ao tráfico de drogas.
A Operação Escudo resultou também em uma série de denúncias de agressões e torturas, que ainda estão sendo apuradas. A quantidade de relatos chama a atenção de órgãos de controle.
Moradores de bairros onde ocorreram as mortes relataram que policiais executaram aleatoriamente pessoas identificadas como egressas do sistema prisional ou com passagem pela polícia.

Além disso, em ofício à SSP, a Defensoria Pública de São Paulo solicitou que sejam utilizadas câmeras corporais no uniforme de todos os policiais militares e civis envolvidos na operação, para que as abordagens fossem capturadas e passem por controle das autoridades competentes.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirma que "todas as ocorrências com morte durante a operação foram resultado da ação dos criminosos, que optaram pelo confronto".
A Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo afirma que a SSP, atualmente sob a gestão de Guilherme Derrite, dificultou o acesso do órgão a boletins de ocorrência. A consulta poderia auxiliar no acompanhamento da Operação Escudo, deflagrada na Baixada Santista.
De acordo com a secretaria, todas as mortes decorreram da reação de policiais militares e as ocorrências estão sendo investigadas. A pasta nega que tenha havido interrupção no fornecimento dos boletins de ocorrência.
A Ouvidoria afirma que, anteriormente, uma equipe composta por uma delegada e uma escrivã auxiliava o órgão a obter os boletins de ocorrência registrados nas delegacias. No entanto, a equipe foi proibida de pesquisar os documentos para a Ouvidoria.

"Isso tem prejudicado a Ouvidoria inclusive a verificar se está ou não tendo homicídios de autoria desconhecida, que pode ser o tipo de homicídio que caracteriza as mortes, sobre as quais estão chegando denúncias, de pessoas em situação de rua", afirmou o ouvidor da Polícia do Estado, Cláudio Silva.

Segundo ele, foram recebidas informações de que pessoas em situação de rua poderiam estar sendo assassinadas, mas o órgão ainda não conseguiu apurar mais a fundo essas informações. "A Secretaria da Segurança Pública tirou o acesso aos boletins de ocorrência da Ouvidoria", disse o ouvidor.

Silva afirma que uma série de denúncias têm sido recebidas pelo órgão desde que a Operação Escudo foi deflagrada. "A situação é avassaladora, do ponto de vista do nível de tensão e aterrorizamento que as pessoas estão", afirmou.
"Tivemos informação de invasão de casa, inclusive com invasão de banheiro de mulher tomando banho. Agressões físicas, agressões mentais, especialmente a crianças e adolescentes", acrescentou. Como mostrou o Estadão, uma família relata que uma das vítimas foi morta dentro de casa em Santos.
Em depoimento à CPI do MST, Guilherme Derrite minimizou as denúncias e disse que não passam de uma "narrativa". O termo também foi usado pelo governador Tarcísio de Freitas em coletiva de imprensa.