Por marta.valim

A carteira de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apresentou entre 2004 e 2013 uma melhoria de qualidade, com redução da inadimplência e aumento de quase dez pontos percentuais nas operações classificadas no nível de risco AA, o mais baixo de uma escala com nove patamares.

A evolução é atribuída pelo banco ao aperfeiçoamento dos critérios de análise de risco e classificação de crédito. E, também, à crescente sofisticação do cardápio de garantias apresentado pelos tomadores de empréstimos. Mas analistas do setor questionam se o financiamento pela instituição de projetos envolvendo concessões públicas e a concentração de recursos em determinados grupos e segmentos empresariais pode levar a uma piora na qualidade da carteira.

Ao fim do ano passado, os créditos com classificação entre AA (baixíssimo risco) e C (médio para baixo) totalizavam 99,7%da carteira. Em 2004, esse percentual era de 93,8%. “No Sistema Financeiro Nacional, a parcela de créditos com classificação entre AA e C está em 93%”, compara Claudia Prates, superintendente da Área de Crédito do BNDES. O BNDES terminou o primeiro trimestre de 2014 com uma carteira ativa de R$ 575 bilhões e um nível de inadimplência de 0,01%. “Em 2009, nossa carteira estava em torno de R$ 300 bilhões”, lembra Claudia. O nível mais baixo da escala (H) caiu de 1,5% para 0,1% em dez anos. Na outra ponta, a classificação AA evoluiu de 27,6% para 37% no período.

A classificação da carteira de crédito de AA até H é feita pelos próprios bancos, conforme especifica a resolução de número 2.682, de 1999, do Conselho Monetário Nacional (CMN). Mensalmente, as instituições financeiras enviam essas informações para o Banco Central, que cruza dados para medir o nível de risco dos diferentes clientes. Para cada nível de risco, a instituição deve provisionar um percentual do crédito, de acordo com sua estimativa de não recebimento. Esse percentual varia de 0% de provisão, para o nível AA, até 100% (H). Para uma operação classificada como C, por exemplo, o banco deve provisionar 3% do crédito para fazer frente ao risco de inadimplência.

A classificação é concedida levando em consideração o perfil do tomador e as garantias envolvidas na operação. “A qualidade das garantias evoluiu na medida em que as operações se sofisticaram, o que influenciou na melhora da qualidade de crédito”, argumenta Roberto Alexandre Elias Afonso, chefe do Departamento de Política de Crédito do BNDES. “Nos bancos de varejo, o retorno é mais alto, mas o risco, também”, acrescenta Afonso, lembrando que o BNDES financia projetos de longo prazo.

Esse horizonte de tempo mais amplo contribui para manter a inadimplência em nível baixo. “Por conta disso, o BNDES pode repactuar seus empréstimos”, justifica Alexandre Albuquerque, analista da agência de classificação de risco Moody’s para o setor de bancos. Albuquerque ressalta ainda que boa parte da carteira do BNDES é constituída por recursos repassados por outras instituições financeiras, o que transfere o risco para elas. O anúncio, ontem, de que BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal financiarão até 70%dos projetos federais de quatro trechos de concessão de rodovias é visto com naturalidade pelo analista. “Já era de se esperar uma participação mais elevada do BNDES nessa área de concessões públicas. Nos investimentos de mais longo prazo, as soluções de mercado ainda são muito restritas”, reconhece o analista da Moody’s.

Já o analista de instituições financeiras Luis Miguel Santacreu, da Austin Rating, destaca a diferença de risco entre financiar uma máquina para modernizar a produção de uma fábrica e emprestar recursos para grupos que exploram concessões de infraestrutura. “Financiar uma concessão aeportuária naturalmente envolve mais risco”, avalia Santacreu. Na análise dele, a política de “campeões nacionais”, que visava promover a competitividade de grandes empresas brasileiras no cenário internacional, é uma forma de ampliar os riscos.

“Na hora em que você concentra operações com um volume vultoso num determinado setor ou empresa, tem mais risco”, resume o analista da Austin Rating, que também enxerga uma tendência de concentração de créditos do BNDES na área de concessões. Para Albuquerque, da Moody’s, é difícil imaginar bancos privados avançando pela seara do financiamento de concessões públicas. “Isso vai fazer com que a carteira do BNDES fique mais concentrada nesses projetos”, acredita.

Embora envolva critérios objetivos (como o atraso nos pagamentos), a classificação de nível de risco também inclui fatores subjetivos. Vale como uma fotografia do momento, mas pode sofrer alterações relevantes no médio e longo prazo, frisa Santacreu, da Austin. “Quem faz a classificação [do nível de risco] é o banco. Como a carteira do BNDES está em constante expansão e a instituição é quem determina na largada qual a classificação dos créditos, a inadimplência pode não aparecer hoje mas surgir amanhã, quando vencerem os financiamentos de médio e longo prazo”, conclui.

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