Por marta.valim

A participação dos importados no consumo dos brasileiros chegou a patamar recorde no segundo trimestre de 2014. Estudo elaborado a cada três meses pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), apontou que a fatia dos produtos estrangeiros atingiu 21,8%, crescendo 1,2 ponto percentual em relação ao mesmo período de 2013 e é a maior da série histórica, que começou em 2007. Na avaliação da CNI, com a desvalorização do real frente ao dólar, a tendência irá se reverter até o fim do ano. Mas analistas discordam: para a indústria brasileira, o pior pode ainda não ter passado.

“Tivemos um recorde no coeficiente de penetração de importações no primeiro trimestre de 2014 e agora, no segundo, tivemos um novo recorde. Mas a diferença é de apenas 0,1 ponto entre um período e o outro. Isso já mostra uma perda no ritmo do crescimento do indicador. Acreditamos que estamos no topo do valor mais alto desse coeficiente. Está havendo uma desvalorização cambial, que começa a afetar as importações. A partir do terceiro ou, no máximo, do quarto trimestre devemos ter uma queda na participação dos importados no nosso consumo”, previu o gerente executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca.

Segundo ele, a desvalorização de 11% na moeda brasileira ocorrida entre o segundo semestre de 2013 e o mesmo período de 2014 já é suficiente para mudar a trajetória do coeficiente de penetração das importações. “A desvalorização desestimula as importações. Por isso, a indústria brasileira tende a não perder mais participação no mercado interno. O indicador ficou estável com tendência de queda”, analisou.

O fenômeno vale, principalmente, para bens de capital. “Grande parte do estímulo ao consumo que houve no país nos últimos anos foi transferido para os importados. Por isso, a indústria cresceu pouco em comparação ao comércio. A indústria local começou a ser substituída por importados, não só em consumo final, mas em partes e peças utilizadas para montar os produtos brasileiros. Mas, com a desvalorização cambial, esses produtos importados encareceram e há um controle desse processo de substituição: aquele ímpeto de substituir produtos manufaturados nacionais por importados não existe mais”, considerou Fonseca. A CNI trabalha com um cenário de que o dólar, que hoje está cotado em cerca de R$ 2,27, chegue a um patamar médio de R$ 2,40 em dezembro.

Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, esse patamar não será suficiente para inverter a trajetória de aumento da participação dos importados no mercado interno. “O consumo no mercado interno está caindo. As importações de bens de consumo duráveis e não duráveis estão caindo. O câmbio a R$ 2,20 é uma taxa que não estimula as exportações, mas, sim, as importações. O governo está fazendo swap cambial para não deixar essa taxa subir muito, porque a prioridade é controlar a inflação. Se a demanda continuar caindo, e a produção nacional cair mais que a importação, continuará a haver aumento da participação dos importados. A taxa de câmbio deveria estar no mínimo a R$ 2,60 para desestimular importação”, considerou. “A importação de máquinas e equipamentos está caindo porque o mercado interno não justifica o investimento. Não é pelo câmbio. Porque alguém vai investir se não haverá comprador?”, questionou.

A coordenadora dos Estudos do Comércio Exterior do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, Lia Valls Pereira, lembra que o fato de as importações aumentarem não é por si só negativo. “A importação de componentes que melhoram a competitividade da indústria pode significar aumento das exportações. Mas, mesmo se olhamos por esse lado, vemos que o coeficiente de exportações mantém-se estável, em 19,2%. Isso sim pode preocupar a indústria nacional”, disse.

Para Renato da Fonseca, o problema da indústria local continua a ser o da competitividade. “Se não tomarmos medidas para melhorá-la, o país pode voltar a crescer e continuarmos tendo substituição com importações. Importamos componentes para aumentar a competitividade, mas não conseguimos aumentar a importância do mercado externo porque temos entraves na legislação trabalhista e no custo tributário. Se estes problemas não forem atacados, dificilmente há expectativa de recuperação da indústria”, destacou.

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