Por monica.lima

Brasília - Após divergirem sobre a abrangência e a duração de um novo regime automotivo, os governos do Brasil e da Argentina finalmente chegaram a um entendimento e acertaram a prorrogação do acordo vigente por mais um ano, sem mudanças no regime atual — o que beneficiará mais ao Brasil do que à Argentina. Ao Brasil Econômico, fontes que participaram das negociações bilaterais disseram que o anúncio será feito em até duas semanas. A ideia é incluir a renovação do convênio de livre comércio com a Argentina no âmbito do Plano Nacional de Exportações, que será anunciado pela presidenta Dilma Rousseff em 23 de junho.

Os dois países têm pressa. Em 1º de julho vence o acordo atual, o que poderá colocar em risco o já enfraquecido comércio bilateral. Embora o acordo automotivo ainda esteja vigente, as exportações brasileiras de automóveis, peças e tratores para a Argentina vêm perdendo força, e recuaram 18,2% até maio. Situação ainda mais delicada enfrenta a indústria automotiva daquele país, que viu as vendas para o Brasil caírem 31%.

A prorrogação do convênio atual seria anunciada há um mês, mas as conversas bilaterais esfriaram devido a um impasse político com o país vizinho. No fim de maio, em viagem a Buenos Aires, os ministros brasileiros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do Desenvolvimento e Indústria, Armando Monteiro, chegaram a obter um sinal verde dos representantes da Casa Rosada. À época, chegou-se a acertar que o novo acordo teria duração maior do que o atual, que é renovado a cada ano, e seria mais abrangente.

Mas, na última hora, os argentinos recuaram. “Eles não querem comprometer o governo com algo que poderá ser revisto tão logo assuma um novo presidente. Então, no ano que vem, os países sentam-se e decidem como vão fazer a renovação do acordo atual”, conta uma fonte com conhecimento do assunto.

Não se trata de mero detalhe. Assolada por uma inflação recorde pela crise econômica que paralisa a indústria nacional, a Argentina definirá em 27 de outubro um sucessor para a presidente Cristina Kirchner. Chegando ao fim de segundo mandato, o governo concluiu que, dado o momento de instabilidade política local e a necessidade de se emplacar um sucessor para Cristina na Casa Rosada, o melhor a fazer era não se comprometer com uma “longa e ampla” discussão do acordo automotivo, como queria o Brasil.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, sustenta que a renovação do acordo atual ajuda a desovar estoques elevados da indústria num momento em que as vendas no país dão sinais de enfraquecimento. “Buscar novos mercados para nossa produção e garantir a continuidade das exportações atuais é uma das maneiras mais eficientes de assegurar empregos”, diz.

Números divulgados ontem pela entidade sugerem um quadro desolador para o setor. Em maio, a produção de veículos no Brasil registrou o pior resultado para o mês desde 2005: queda de 25,3% frente a abril. A boa notícia foi a reação da exportação de automóveis, que cresceu 41,7% na passagem para maio, mas, quando são levados em conta os valores recebidos pelas empresas, o desempenho está aquém do esperado. No ano, a queda das receitas com exportação de veículos, segundo a Anfavea, já chega a 12,1%.

A desistência de ampliar o acordo também trouxe prejuízos para a Argentina. Até maio, os governos haviam acertado a inclusão de uma cláusula que estabeleceria uma cota anual de importação de partes e equipamentos automotivos, o que em tese favoreceria o setor de autopeças argentino. Sem acordo, foi acertada a prorrogação do regime atual, que é mais vantajoso para o Brasil, que pode exportar até 1,5 milhão de automóveis, do que para a Argentina, que é autorizada a vender milhão de unidades de veículos para o Brasil.

Ex-secretário de Comércio Exterior do Mdic e professor no Instituto Rio Branco, Welber Barral recomenda uma revisão mais ampla do regime. “Hoje, o acordo basicamente estabelece certa proporcionalidade entre o que os países importam e exportam um para o outro. Além disso, esse prazo de apenas um ano acaba gerando muita incerteza, porque sempre que está para vencer o acordo, vira essa novela pela renovação”, diz.

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