Rio - As investigações que levaram o ex-presidente Michel Temer (MDB) para a prisão demonstram a criação de empresas sem qualificação técnica em processos licitatórios e outras de fachada, inclusive sem funcionários, usadas para arrecadar propina para a organização criminosa. Os crimes eram tão escancarados que um dos empreendimentos de fachada tem capital social de apenas R$ 500, mas recebeu repasses de R$ 17 milhões em 5 anos. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), essa teia corporativa, montada ao longo de quatro décadas, gerou o que os procuradores classificam como "sofisticado esquema de corrupção".
Operador financeiro de Temer, João Batista Lima Filho, o coronel Lima, preso ontem à tarde, é sócio da Argeplan Arquitetura e Engenharia LTDA e da PDA Projetos e Direção Arquitetônica LTDA. Segundo as investigações, o endereço da AF Consult do Brasil, subcontratada pela AF Consult LTD, vencedora da licitação em 2012 para construção da usina de Angra 3, é exatamente ao lado da PDA e da Argeplan.
A Lava Jato aponta que a AF Brasil "não possuía sequer um funcionário cadastrado até outubro de 2013" e que a PDA "existe somente no papel, isso porque a pessoa jurídica apresenta capital social de R$ 500" e não possui vínculos empregatícios. De acordo com o MPF, a Construbase, que também faria parte da rede de operadoras de lavagem de recursos de Temer, repassou à PDA R$ 17 milhões em 58 transações entre 2010 e 2015. As movimentações atípicas constam de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O órgão ministerial menciona ainda que a Argeplan participou do consórcio da AF Consult LTD "apenas para repassar valores a Michel Temer" e que não tinha qualificações técnicas. "A Argeplan parece ser uma sociedade empresária pequena, com capital social de aproximadamente R$ 1 milhão, contando com 30 vínculos trabalhistas, sendo um terço destes na função de motorista", ressalta a acusação.
Além disso, diz o MPF, a mesma Argeplan servia como um local de entregas de propina em dinheiro vivo para Michel Temer, de acordo com o demonstrado em outras investigações. No endereço da empresa, sediada na Rua Juatuba, 68, em Vila Madalena (SP), teria ocorrido uma entrega no valor de R$ 1 milhão para o coronel Lima em setembro de 2014, realizada por dois funcionários do Grupo JBS atendendo a pedido de Temer para Ricardo Saud, diretor da JBS. Em delação, Saud afirmou que o dinheiro fazia parte de um acordo para pagar R$ 15 milhões ao MDB.
No mesmo local, R$ 1,4 milhão teriam sido entregues, em março de 2014, em decorrência de tratativas entre Marcelo Odebrecht e Temer. Há uma investigação sobre isso envolvendo o ex-presidente Temer e os ex-ministros Moreira Franco (Minas e Energia) e Eliseu Padilha (Casa Civil).
O Ministério Público também assinala que o coronel Lima arrecadou montante ilícito para a organização criminosa por meio de contrato celebrado entre a empresa de fachada PDA, controlada por ele, com a Alumi Publicidades, vinculada ao delator José Antunes Sobrinho. A Lava Jato afirma que houve transferência de R$ 1,091 milhão no final de 2014 da Alumi à empresa de fachada. "O empresário que pagou a propina afirma ter prestado contas de tal pagamento para Lima e Moreira Franco", diz o MPF em nota.
Construbase também beneficiava Eduardo Cunha, aponta MPF
A Construbase Engenharia Ltda, investigada por abastecer o esquema de corrupção que envolve o ex-presidente Michel Temer, também atenderia à rede de propina do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB), preso em 2016. Em outras fases da operação Lava Jato, Lúcio Funaro, operador financeiro de Cunha, revelou que houve dobradinha entre Cunha e Temer para a empresa receber da Cedae, então reduto do ex-parlamentar. Temer também já foi flagrado usando um helicóptero de Vanderlei Natale, sócio da Construbase, quando ainda era vice-presidente.
Uma planilha de faturamento do empreendimento de fachada PDA Projetos anexada ao processo, que traz dados desde o ano 2000, indica um grande fluxo financeiro de créditos da Construbase, de sociedade de Vanderlei Natale. Filtrando os créditos obtidos apenas pela Construbase, consta registrado o recebimento líquido de R$ 7,8 milhões de outubro de 2002 até janeiro de 2016. Os investigadores chamam atenção para o fato de que a maior parte dos serviços contém indicação para não realização de contrato formal.
"Considerando todas as empresas que tiveram notas fiscais de serviços emitidos pela PDA PROJETO, o valor total por suposto recebimento líquido no arquivo resulta em R$ 11.380.627,23. Portanto, mais de 60% dos valores registrados nesta planilha de emissão de notas fiscais da PDA Projeto vem da Construbase", destaca o MPF.
Dinheiro de Angra 3 para obra de casa
O dinheiro público, segundo as investigações, serviu até para interesses mais domésticos da família de Michel Temer, como a reforma da casa da sua filha Maristela, custeada com dinheiro de propina de Angra 3. Também presa, Maria Rita Fratezi, mulher do coronel Lima, cuidou pessoalmente da obra. Foram rastreadas conversas no WhatsApp entre Maristela e Maria. Há pagamento de até R$ 950 mil em espécie à empresa Argeplan, do coronel Lima.
"A reforma na casa de Maristela Temer não deixa dúvidas de como o dinheiro entrava na Argeplan e saía em lavagem de dinheiro em benefício da família Temer", analisou a procuradora regional Fabiana Schneider.
Em depoimento à Polícia Federal, Maristela alegou que a reforma custou R$ 700 mil. Mas relatório de investigação informa que o somatório de notas fiscais e recibos de fornecedores atingem R$ 1,2 milhão, sendo o valor final estabelecido em R$ 1,6 milhão, identificados em editais particulares elaborados pela Argeplan.
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