Bolsonaro foi a pontos de comércio no bairro Sudoeste, em Brasília, e cumprimentou populares, no domingo - Reprodução / Twitter
Bolsonaro foi a pontos de comércio no bairro Sudoeste, em Brasília, e cumprimentou populares, no domingoReprodução / Twitter
Por MARTHA IMENES
O 'giro' que o presidente Jair Bolsonaro deu no domingo, no Distrito Federal, pode render, além de multa, ação judicial e, se insistir em acabar com o isolamento social, vai enfrentar o Supremo Tribunal Federal, que ameaça barrar a medida. Além do passeio presidencial, os seus comentários no Twitter, defendendo o fim do isolamento, repercutiram negativamente no exterior. Veículos de imprensa criticaram a postura do presidente frente à pandemia do novo coronavírus, contrariando recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de especialistas em saúde pública.

Os ministros do STF, segundo a Agência Estado, têm afirmado que se Bolsonaro levar adiante a ideia de reabrir o comércio, a medida será barrada pela Corte, por confrontar as recomendações das autoridades de saúde do Brasil e do mundo com relação ao combate à pandemia. A principal delas é o isolamento social.

Ao circular por regiões comerciais de Brasília e cidades satélites, o presidente afirmou que "estava pensando" em incluir mais categorias de trabalhadores na lista de serviços essenciais, autorizando mais pessoas a voltar para as ruas. Na semana passada, ele liberou o funcionamento de igrejas e lotéricas dessa forma. A iniciativa, porém, foi barrada pela Justiça do Rio de Janeiro.

Especialista em Administração Pública e professor da PUC-Rio, Manoel Peixinho avalia que o passeio do presidente Bolsonaro é muito preocupante, principalmente porque desobedece determinações de autoridades sanitárias internacionais quanto ao perigo de contágio entre pessoas. "O presidente está sujeito a julgamento por conduta criminosa pelo STF", adverte Peixinho. "Ele cometeu ato de improbidade administrativa por violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa por violação aos princípios essenciais de conduto do mais alto posto da Administração Pública", diz o especialista.
Peixinho alerta que o presidente pode, inclusive, sofrer processo de impeachment por violar a probidade e a dignidade da função.

Multa de R$ 100 mil 
O procurador da República Julio José Araujo Junior, do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, pediu à Justiça Federal que aplique multa de R$ 100 mil à União após o presidente Jair Bolsonaro "realizar caminhadas em cidades satélite do Distrito Federal" no domingo. Também foi pedida a majoração da multa para R$ 500 mil caso o presidente repita o gesto.

O pedido de Araujo Junior se baseia em tutela de urgência de ação civil concedida pela 1ª Vara Federal de Duque de Caxias (RJ) que determinou à União que se abstivesse de estimular as pessoas a não respeitarem o isolamento social.

"A postura da Presidência da República aponta para o descumprimento do item 4 da decisão proferida por esse juízo (...) Além disso, há uma indicação de descumprimento quanto à edição de novos decretos sobre serviços e atividades essenciais sem observar a necessidade de medidas emergenciais de combate à Covid-19."
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Ontem o presidente Bolsonaro defendeu seu passeio em Brasília para, segundo ele, "conversar com os comerciantes" e voltou a criticar o isolamento. Bolsonaro avalia que somente idosos deveriam ficar em casa.
Repercussão na imprensa estrangeira
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A conduta presidencial de passear em Brasília em plena pandemia de coronavírus foi destaque em publicações no exterior. Para o francês Le Monde, a postura de Bolsonaro nas ruas de Brasília são uma "contradição" ao que seu próprio governo prega para evitar a propagação da Covid-19. "Menos de 24 horas antes, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, destacou a importância do confinamento no combate à pandemia de coronavírus, que já infectou 4.256 pessoas e deixou 136 mortos, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde", diz a publicação. dados divulgados ontem apontam que número de infectados no Brasil chega a 4.579 e de mortes, 159.

Segundo o italiano La Reppublica, Bolsonaro não desiste e afirma que o Sars-Cov-2 causa apenas uma gripe. A publicação cita ainda que o presidente criticou os governadores de São Paulo e Rio de Janeiro e disse a eles para reabrirem tudo, mesmo com o avanço da pandemia.
O site da revista alemã Der Spiegel chamou atenção para o fato de Bolsonaro ter tido dois posts apagados do seu Twitter porque violavam as regras da rede social. "As mensagens excluídas pelo Twitter são dois vídeos que mostram como Bolsonaro pessoalmente desconsidera as recomendações de seu próprio Ministério da Saúde para combater a pandemia. O presidente pode ser visto andando pela capital Brasília no domingo, encontrando-se com apoiadores e instando-os a manter a economia funcionando", diz a publicação.

A rede BBC, do Reino Unido, em reportagem publicada no domingo disse que as atitudes de Bolsonaro dão a entender que ele não está levando a sério o perigo da pandemia. "Enquanto o mundo tenta desesperadamente combater a pandemia de coronavírus, o presidente do Brasil está fazendo o possível para minimizá-la", afirma o texto. "Jair Bolsonaro tem relutado bastante para levá-la a sério. Indo contra o conselho de seu próprio Ministério da Saúde, no início de março, e enquanto aguardava os resultados de um segundo teste de coronavírus, ele deixou o auto-isolamento para participar de manifestações contra o Congresso", escreveu a BBC.

Já a publicação The Economist, uma das revistas mais importantes do mundo, também do Reino Unido, chamou o presidente brasileiro de BolsoNero, o último imperador romano, tido como um tirano extravagante que, para a população, iniciou um incêndio para construir um palácio. O artigo da revista afirma que a doença ignora classes sociais no Brasil, que são socialmente distante, mas fisicamente próximas. "Um vetor pode ser o presidente populista, Jair Bolsonaro.

No dia 15 de março, depois que seu secretário de Comunicações foi diagnosticado com o vírus, ele ignorou ordens de quarentena e tirou selfies com fãs. Quando o primeiro brasileiro morreu de Covid-19 no dia seguinte, ele denunciou uma 'histeria' sobre o vírus."

O jornal norte-americano The New York Times reproduziu um texto da agência de notícias Reuters no qual se afirma que as medidas econômicas de austeridade põem em risco a luta contra o coronavírus. Segundo a publicação, as medidas para mitigar a pandemia no Brasil são "muito cautelosas e limitadas".

"A razão para isso é em grande parte política. O presidente Jair Bolsonaro, que assumiu em janeiro de 2019 com a promessa de uma mudança econômica, repetidamente culpou a 'histeria' da mídia por causar pânico em torno do que ele classifica de 'uma gripezinha'. Ele chamou o fechamento do comércio em muitos dos estados de 'um crime'."

Também dos Estados Unidos, a revista 'The Atlantic' descreveu as frases de Bolsonaro a respeito da pandemia, como a que descreve o coronavírus como uma gripezinha e a declaração de que "brasileiro tem que ser estudado" porque "pula no esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele".

No título, a publicação classifica o presidente do Brasil como o líder do movimento de negacionistas do vírus. "O movimento de negacionistas do coronavírus agora tem um líder"", afirma a revista. "O presidente Jair Bolsonaro atacou as autoridades locais que implementaram isolamentos severos, os acusando de destruir o país", descreveram.

O jornal argentino 'La Nación' traz reportagem sobre quem seriam os conselheiros que influenciam Bolsonaro na sua atitude perante a pandemia. Com o título "O 'gabinete do ódio': o corpo de conselheiros de Bolsonaro na crise pela pandemia", o periódico alerta para a radicalização do discurso do presidente brasileiro. "Bolsonaro aprofundou a radicalização de seu discurso diante da crise do coronavírus, cada vez mais aconselhado pelo "gabinete do ódio": um grupo de consultores ideologizados (assim chamados pela imprensa brasileira), com o selo e a presença de seu filho Carlos Bolsonaro", descreve a reportagem.

E por fim, a agência de notícias Associated Press, afirma que Bolsonaro trata a pandemia de coronavírus de maneira desdenhosa, mesmo com o aumento de casos no país.