Bolsonaro e Guedes - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Bolsonaro e GuedesFabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Por MARTHA IMENES
Em meio à pandemia de coronavírus, que no Brasil já infectou 202.918 pessoas e matou quase 14 mil no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro editou uma Medida Provisória (MP) 966, que "livra" agentes públicos, inclusive ele próprio e seus ministros, de serem futuramente responsabilizados por irregularidades tanto em contratações quanto em medidas econômicas que eventualmente descumpram leis durante o enfrentamento da pandemia de coronavírus. A medida, publicada no Diário Oficial da União, se restringe às esferas civil e administrativa e diz que só haverá punição no caso de "agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro". O texto da medida provocou reação imediata. Para o advogado Sérgio Batalha, essa medida é inconstitucional. "O artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição da República prevê a responsabilidade do agente público que age com dolo ou culpa". "Todos serão responsabilizados no futuro. A MP abre espaço inclusive para a corrupção, pois estes 'erros grosseiros' poderiam ocorrer na compra de insumos médicos superfaturados", alerta.

"Creio que ele quer dar suporte jurídico para os agentes públicos agirem de forma irresponsável na pandemia, com a presunção de que não serão responsabilizados por eventuais mortes. Lembra, sinceramente, o tipo de legislação que se fazia na ditadura militar, que buscava sempre caracterizar um poder arbitrário do Estado sobre o cidadão", avalia Batalha.

Para a cientista política e professora da Unirio, Clarisse Rangel, a medida é ainda mais preocupante. "A MP faz num estado de exceção, no caso a pandemia, a excludente de ilicitude ser generalizada para os agentes públicos, não só para o combate ao coronavírus, mas também em relação a questões econômicas e sociais. Que vão desde situações em que houvesse coerção de recolhimento de pessoas que não estão obedecendo a quarentena, o que esbarra na questão da população de rua, pessoas que não tem onde morar, onde dormir. Qual tratamento seria dado a essas pessoas?", questiona.

"A medida também abre brecha para, na questão econômica, para os agentes públicos agirem coercitivamente e causarem constrangimento para a pessoa ter que ir trabalhar, mesmo temerosa em relação à doença", acrescenta Clarisse.
ABI contesta MP que isenta agentes públicos no STF
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entrou com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida provisória que isenta de responsabilidade agentes públicos que cometerem erros durante o enfrentamento da pandemia de coronavírus ou de seus efeitos na economia do País. Segundo a entidade, uma MP com esse teor dá a impressão de que o presidente Jair Bolsonaro deseja conseguir um "excludente de ilicitude".

"Considerando que o presidente vem desrespeitando, de forma reiterada e deliberada, as recomendações das autoridades da área de saúde, tanto nacionais como estrangeiras, de isolamento físico das pessoas para conter a propagação do vírus, uma MP com este teor dá a nítida impressão de ser uma tentativa de conseguir um 'excludente de ilicitude' para manter um comportamento irresponsável e nocivo à coletividade, concedendo-se uma autoanistia", diz a nota assinada pelo presidente da entidade, Paulo Jeronimo de Sousa.

A medida provisória restringe o "salvo-conduto" às esferas civil e administrativa e diz que só haverá punição no caso de "agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro", ou seja, quando há intenção clara de dano. Advogados ouvidos pelo 'Estado' apontam que a medida apenas reforça pontos que já existiam na legislação

Impeachment
Na quarta-feira da semana passada, a ABI encaminhou pedido de impeachment de Bolsonaro ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O texto alega prática de crimes de responsabilidade e atentados à saúde pública no combate ao novo coronavírus.
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Pedido para barrar medida
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e a bancada do Cidadania pediram ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolva ao governo a Medida Provisória (MP) 966. O partido de Randolfe recorreu ainda ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a MP. "O presidente, por um lado, nega a gravidade da pandemia. Por outro, utiliza de mecanismos e do poder da caneta do presidente da República para proteger seus apaniguados", criticou o senador.

No ofício enviado a Alcolumbre, Randolfe afirma que a Constituição não permite o tipo de isenção proposta pelo governo. O senador lembrou que servidores já foram exonerados e até presos por fraudes na compra de respiradores e na construção de hospitais de campanha. A MP dificulta a responsabilização dos agentes envolvidos em casos similares.

Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) concorda com a devolução da matéria ao governo e sugere, no lugar, a apresentação de um projeto de lei sobre o assunto.
(Com agências)
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AGU defende sigilo parcial
Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou a favor da retirada do sigilo do vídeo da reunião ministerial do último dia 22 de abril, mas somente dos trechos em que há intervenções do presidente Jair Bolsonaro. Em relação às intervenções dos demais participantes da reunião, a AGU propõe não divulgar.

A reunião foi citada em depoimento pelo ex-ministro Sergio Moro, no contexto do inquérito que investiga a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

A manifestação da AGU é resposta a uma determinação do ministro Celso de Mello, do STF, que deu prazo para os envolvidos opinarem sobre a possibilidade de liberação dos registros, total ou parcial. A defesa do ex-ministro Sergio Moro foi a primeira a atender a ordem do relator, em manifestação na quarta-feira. Os advogados defenderam a divulgação integral do vídeo. Hoje é a vez da Procuradoria-Geral da República dar sua resposta.