Presidente Jair Bolsonaro - Gabriela Biló / Estadão Conteúdo
Presidente Jair BolsonaroGabriela Biló / Estadão Conteúdo
Por MARTHA IMENES

O inquérito na Polícia Federal, que apura se o presidente da República Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF, conforme afirmado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, ainda deve provocar muito rebuliço em Brasília. Isso porque após negar veementemente que não utilizou a palavra Polícia Federal e nem família na reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro voltou atrás e admitiu ter usado o termo PF para se referir à instituição na reunião. Ou seja, se desmentiu colocando mais lenha na fogueira na crise política instaurada em meio à pandemia do coronavírus.

Mas por que ele voltou atrás? Porque a Advocacia-Geral da União, responsável pela defesa do presidente, ao transcrever o vídeo da reunião, conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal, mostrou que o presidente fez citações à "PF" e à "família".

Ao sair do Palácio da Alvorada ontem, Bolsonaro se dirigiu à imprensa: "A interferência não é nesse contexto da inteligência não, é na segurança familiar. É bem claro, segurança familiar. Não toco em PF e nem Polícia Federal na palavra segurança", disse o presidente, que defendeu a divulgação do vídeo da reunião. Cabe destacar que quem é responsável pela segurança do presidente e sua família é o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Para economista Elena Landau, do movimento liberal Livres, o presidente perdeu o contato com a realidade. "Todo dia é uma coisa nova", diz. A economista chama a atenção para a repercussão no exterior: "Nós (brasileiros) não temos mais imagem, nós temos vergonha! Este é o pior governo do mundo e da história do Brasil". "O presidente comete crimes de responsabilidade de forma contínua, chega a ser constrangedor", afirma a economista.

Para ela um processo de impeachment seria óbvio. E o presidente já está fechando com o Centrão para barrar o trâmite do processo, caso o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aceite um dos mais de 30 pedidos de impedimento.

Na sua avaliação, somente fica no governo quem é conivente, se não for, está fora. "O que me causou espanto foram os três ministros militares, que chamados a depor, reproduziram a narrativa fantasiosa do presidente", critica. Os três ministros a que se refere são: Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto (Casa Civil).

"Dizer que não falou Polícia Federal na reunião e agora a AGU transcreve o vídeo e fica clara a citação do presidente, ele volta atrás e se desmente. Só faltou dizer que PF era prato feito", dispara Elena. E completa: "Existe limite para terraplanismo, uso de cloroquina e atos antidemocráticos".

Cobrança por falta de informações
A transcrição do encontro entre Bolsonaro e seus ministros no dia 22 de abril enviada pela AGU. Nela, Bolsonaro diz aos auxiliares que não pode ser surpreendido com notícias. "Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação", afirmou.

"Então essa é a preocupação que temos que ter: a questão estratégia. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso - todos - é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade", afirmou.

Moro se demitiu após Bolsonaro exonerar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, contra a sua vontade. No lugar, o presidente tentou nomear o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, mas foi impedido pela Justiça. Escolheu, então, pelo "braço direito" de Ramagem na agência, Rolando Souza, segundo informações da Agência Estado.

Decisão do STF só na semana que vem
O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, irá assistir pessoalmente ao vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, peça-chave do inquérito que apura suposta tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. Com isso, a decisão sobre a liberação total ou parcial da gravação deve ficar para a próxima semana.

O decano vai assistir à gravação na segunda e somente depois irá decidir pelo levantamento do sigilo. Celso de Mello já tem uma visão geral do teor da reunião, feita a partir do relato do juiz federal auxiliar Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho, mas quer ver a íntegra antes de tomar uma decisão.

O procurador-geral da República Augusto Aras e a AGU se manifestaram pela divulgação parcial da gravação. O PGR foi ainda mais restrito quanto ao vídeo, pedindo ao decano do Supremo que libere somente as falas do presidente relacionadas ao objeto do inquérito.

Ação para barrar MP da Impunidade
O Movimento Brasil Livre (MBL) entrou com uma ação popular na Justiça Federal no Distrito Federal para suspender a MP da Impunidade (966), editada por Jair Bolsonaro. O texto, que já está valendo e agora passa pelo Congresso Nacional, afrouxa a responsabilização de agentes públicos sobre atos administrativos tomados durante a pandemia do novo coronavírus. O texto editado por Bolsonaro teve repercussão negativa entre ministros do STF, que veem o texto como "vago" e "inconstitucional".

Na ação do MBL, que corre pela 8ª Vara Federal Cível do DF, eles consideram que a "a exclusão de atos ilícitos praticados culposamente por agentes públicos corruptos da penalização imposta pelas normas legais é moralmente inconcebível, ineficiente, inoportuno, desarrazoado e diametralmente distante de ser proporcional ao momento que passamos".

"A medida provisória acentua a impunidade. Ataca a lei de improbidade administrativa e fere o princípio da moralidade", disse o advogado do MBL e autor da ação, Rubens Nunes.
O Psol e a Rede preparam uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, cada, no STF para barrar a medida.