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Por O Dia

A cloroquina não deve ser utilizada por todos os estados para combater o coronavírus, que no Brasil já contaminou 310.087 e matou 20.047 pessoas, segundo dados do Ministério da Saúde. A medicação, que não tem eficácia científica comprovada contra a covid-19, foi o motivo da saída de dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que eram contrários à utilização indiscriminada do remédio por conta dos seus efeitos colaterais. Os dois ministros bateram de frente com o presidente Jair Bolsonaro e deixaram a pasta. Teich 29 dias após assumir. Agora quem comanda o Ministério da Saúde é o general Eduardo Pazuello, que não é médico.

Governos estaduais já sinalizaram que não vão aderir ao uso generalizado de cloroquina - entre eles, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Maranhão, Pernambuco, Paraíba e Pará. Nos demais, as administrações afirmam que a aplicação ou não da substância ainda está sob estudo. Questionados, Prefeitura e governo do Estado do Rio de Janeiro acompanharam algumas unidades da Federação e não responderam.

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), também se opôs à nova recomendação do Ministério da Saúde e criticou a politização do remédio. "Não será adotado. Os médicos com seus pacientes e familiares definem o protocolo de atendimento", disse à Agência Estado. "Na Bahia receita médica não é definida por ideologia ou pelos políticos."

Por sua vez, o governo Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, disse que "não há certeza científica em nível internacional ou nacional" sobre o assunto. Em Pernambuco, o governo Paulo Câmara (PSB) afirmou que "recebe com preocupação as novas orientações do Ministério da Saúde" e destaca não haver número suficiente de comprimidos, caso se queiram tratar todos os casos leves.

"Nós não faremos distribuição nem aplicação generalizada da cloroquina, porque a ciência não recomenda", disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). "A ciência não orienta este procedimento e em São Paulo nós seguimos o que diz a ciência."

No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) declarou que "quem tem de tomar a decisão é o profissional de saúde". "Não há evidência suficiente para que a cloroquina tenha administração irrestrita, pelo contrário: são feitos muitos alertas sobre possíveis efeitos colaterais graves."
"Não há nenhuma modificação", afirmou por sua vez o secretário da Saúde da Paraíba, Geraldo Medeiros.

Segundo afirma, o corpo técnico da área tem estudado "inúmeros trabalhos" e não há "evidências científicas comprovadas" dos benefícios da cloroquina. "É fundamental que (o uso) seja sob prescrição médica, porque o médico se responsabiliza por essa prescrição", disse. No Pará, o governo Helder Barbalho (MDB) também diz que não vai alterar a administração da cloroquina nas unidades de saúde.

No Mato Grosso do Sul, o secretário de Saúde, Geraldo Resende, disse que o medicamento adquirido pelo governo foi destinado para trabalho científico em duas unidades hospitalares. "O uso da cloroquina é reservado à decisão do médico em relação à aplicação."

Já os governos de Minas, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre, Piauí e Rio Grande do Norte afirmaram que o novo protocolo está sendo avaliado por comitês científicos locais ou pelas Secretarias de Saúde. O governo do Distrito Federal não se pronunciou.

Pressão no SUS
O secretário do Maranhão, Carlos Lula, afirma que há receio sobre a orientação estimular pressão da população sobre gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e médicos. "Indiretamente já tem acontecido, mas é um erro. Debate equivocado. O presidente (Bolsonaro) acaba trazendo isso ao centro do debate", disse.

"A gente sabe que não há medicação 100% eficaz. A maioria dos pacientes melhora sem tomar nada, pode tomar cloroquina ou tubaína, vai dar na mesma. É um debate equivocado", disse o secretário, em uma alusão à ironia feita por Bolsonaro, em live na terça-feira.

100 mil novas infecções em uma semana
O Brasil teve 100 mil novas infecções por covid-19 em apenas uma semana, segundo dados do Ministério da Saúde. Nas duas últimas semanas, em números absolutos, o Brasil saltou da sétima para a terceira posição entre as nações com mais casos de covid-19. Com isso, se mantém como um dos países em situação mais crítica do mundo em número de infecções, atrás de Rússia, que contabiliza 317 mil casos, e Estados Unidos, com mais de 1,5 milhão.
Na lista de países com mais mortes acumuladas, o Brasil ocupa a 6ª posição. Só fica atrás de EUA (93.863), Reino Unido (36.124), Itália (32.486), França (28.218) e Espanha (27.940). O Brasil tornou-se o país com maior crescimento de casos de covid-19 por milhão de habitantes (pmh), de acordo com o cruzamento de dados da plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford.
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Desde quarta-feira, o país passou a liderar o ranking que considera a confirmação de casos em um período de 24 horas e os dilui por milhão de habitantes, o que permite uma comparação de como a covid-19 está afetando países de populações distintas.

Se descolou de outras nações bastante afetadas pela covid-19 e que continuam tendo mais casos pmh considerando a somatória desde o começo da pandemia. Enquanto Espanha, Itália, França, Canadá e Alemanha têm conseguido controlar as novas infecções, os casos diários no Brasil batem recordes quase que diariamente.
Médicos serão pressionados
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Para especialistas, recomendações de uso da droga devem exercer pressão sobre médicos para a prescrição. "Não só pela recomendação em si, do governo, mas, sobretudo, pela pressão do público leigo, pacientes e familiares", diz Jorge Salluh, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para Salluh, deve haver também um outro tipo de pressão, no futuro. "Qualquer um que prescrever essa droga hoje, no futuro pode ser processado por má prática, no meu entender", afirmou. "Porque prescreveu droga sobre a qual não há benefícios comprovados e há potencial de risco ligado à dosagem."

Advogados avaliam que a iniciativa é simbólica e política, sem obrigar prescrição. Para Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), a medida não é passível de processo criminal. "O que faz é uma autorização", explicou. Segundo o jurista, não se trata de uma norma que obrigue os médicos a usarem a droga nos casos leves da doença. A adoção do tratamento continua a critério dos especialistas. "A meu ver, não cabe responsabilizar criminalmente (o ministério)", disse.

Mas o professor explicou que Ministério Público ou Defensorias Públicas podem, isso sim, apelar para o aspecto cível da questão, na medida em que essa norma pode levar as estruturas públicas, do SUS, por exemplo, a sofrerem danos por uso de um medicamento sem a eficácia comprovada contra a doença. "E esse é um outro aspecto", alertou o jurista.

O advogado Daniel Dourado, que também é médico, vê um "protocolo informal", ou seja, uma orientação de uso "fora da bula". Sem a indicação especificada no registro oficial, o uso seria ilegal.
Mandetta: Bolsonaro tentou alterar bula da cloroquina por decreto
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O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta revelou que o governo federal pretendia alterar a bula da cloroquina, para incluir no documento sua recomendação para o tratamento da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Mandetta disse que o protocolo recomendando a droga é "distante do razoável e contou que a tentativa de alterar a bula aconteceria via decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

"O presidente se assessorava ou se cercava de outros profissionais médicos. Eu me lembro de quando, no final de um dia de reunião de conselho ministerial, me pediram para entrar numa sala e estavam lá um médico anestesista e uma médica imunologista, que estavam com a redação de um provável ou futuro, ou alguma coisa do gênero, um decreto presidencial... E a ideia que eles tinham era de alterar a bula do medicamento na Anvisa, colocando na bula indicação para covid-19", afirmou Mandetta, à GloboNews.

O ex-ministro disse que havia ministros, integrantes da AGU e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, no encontro. "O próprio presidente da Anvisa se assustou com aquele caminho, disse que não poderia concordar. Eu simplesmente disse que aquilo não era uma coisa séria e que eu não iria continuar naquilo dali, que o palco daquela discussão tem que ser no Conselho Federal de Medicina. Então, é lá que esse debate tem que se dar. Não adianta fazer um debate de uma pessoa que seja especialista na área que for, com um presidente da República que não é médico. A disparidade de armas, já que a frase está tão em voga, é muito difícil", relatou Mandetta, defendendo que decisões deste tipo têm de sair de um conselho de médicos, baseadas em dados científicos.


Envolvimento de todos no uso da medicação
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O governo federal publicou um protocolo que indica o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em casos de covid-19, incluindo pacientes em estágios iniciais da doença. No entanto, a eficácia do medicamento para o novo coronavírus não está comprovada. Na verdade, o que se sabe é que seus efeitos colaterais são graves e podem levar à morte. Um deles é arritmia cardíaca.
O primeiro protocolo para uso da cloroquina não tinha assinatura de médicos ou técnicos do Ministério da Saúde.
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Mas ontem, o governo emitiu nota "para deixar clara a participação e o envolvimento de todas as secretarias, os titulares das pastas assinaram o documento ainda na quarta-feita. Assinaram o documento: Mayra Isabel Correia Pinheiro, Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde; Cleusa Rodrigues da Silveira Bernardo, Secretária de Atenção Especializada à Saúde, Substituta; Robson Santos da Silva, Secretário Especial de Saúde Indígena; Daniela de Carvalho Ribeiro, Secretária de Atenção Primária à Saúde, Substituta; Vania Cristina Canuto Santos, Secretária de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Substituta; Wanderson Kleber de Oliveira, Secretário de Vigilância em Saúde; e Antônio Elcio Franco Filho, Secretário-Executivo, Substituto