Ministro Celso de Mello negou pedido do presidente para depor por escrito - Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Celso de Mello negou pedido do presidente para depor por escritoCarlos Moura/SCO/STF
Por MARTHA IMENES
A denúncia do ex-ministro Sergio Moro, de que o presidente Jair Bolsonaro estaria tentando interferir na Polícia Federal, acabou mostrando um pouco mais dos bastidores do poder. E, uma praxe do Supremo Tribunal Federal (STF) quando recebe alguma denúncia, acabou tendo uma repercussão negativa do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que emitiu nota assinada pelo ministro-chefe, o general Augusto Heleno. Partidos de oposição pediram a apreensão dos celulares do presidente da República, de seu filho e de uma deputada federal. O que não ocorreu.

Entre outras coisas, o ofício do GSI "alerta autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".

O general parece desconhecer o andamento de inquéritos no Supremo, pois é comum enviar ao MPF a notícia-crime apresentada por qualquer cidadão. Caberá ao ao órgão decidir se os fatos narrados devem ou não ser investigados. Em seu despacho, o ministro Celso de Mello cita essa competência legal do MPF, mas ressalta a importância de se investigar denúncias sejam elas feitas por quem quer que seja.

"A indisponibilidade da pretensão investigatória do Estado impede, pois, que os órgãos públicos competentes ignorem aquilo que se aponta na 'notitia criminis'", argumenta Celso de Mello.
"Motivo pelo qual se torna imprescindível a apuração dos fatos delatados, quaisquer que possam ser as pessoas alegadamente envolvidas, ainda que se trate de alguém investido de autoridade na hierarquia da República, independentemente do Poder (Legislativo, Executivo ou Judiciário) a que tal agente se ache vinculado", prossegue o magistrado.

Nas mãos de Aras
Os pedidos foram feitos por deputados do PSB, PDT e PV, que pedem a apreensão dos telefones do presidente Jair Bolsonaro, de seu filho Carlos e da deputada Carla Zambelli. Outra representação feita pelo PT, solicita a apreensão do celular de Moro. Ao contrário do afirmado por aliados de Bolsonaro, o ministro não mandou apreender os telefones.
Caberá ao procurador-geral Augusto Aras, que foi nomeado por Jair Bolsonaro, analisar os pedidos dos deputados e decidir se solicita abertura de nova investigação no STF ou se as diligências sugeridas precisam ou não ser realizadas. Os parlamentares sustentam que o conteúdo dos celulares pode ajudar na coleta de prova contra os acusados. Aras já deixou claro que não é da competência de deputados propor diligências. Para ele, isso é atribuição do Ministério Público, titular da investigação penal.

Reações em redes sociais
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, no Twitter mandou uma mensagem direcionada ao general Heleno: "@gen_heleno, as instituições democráticas rechaçam o anacronismo de sua nota. Saia de 64 e tente contribuir com 2020, se puder. Se não puder, #ficaemcasa."

"A nota do general Heleno constitui inaceitável ameaça ao Supremo Tribunal Federal. Na República, nenhuma autoridade está imune a investigações ou acima da Lei. E na democracia não existe tutela militar sobre os Poderes constitucionais", escreveu no Twitter o governador do Maranhão, Flávio Dino.

Já o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) escreveu no microblog que: "Essa nota do general Heleno é uma ameaça de golpe. Está aí a prova por escrito do que o governo Bolsonaro prepara. Chega de nota de repúdio! O que mais falta para o #ImpeachmentJá?"

Sindicato de advogados rechaça nota
Em nota, Álvaro Quintão, presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro (Saerj) afirma ser "inaceitável a nota da Chefia do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, divulgada há pouco (ontem) em rede social.

A nota, travestida de "alerta à nação", quer, na verdade, intimidar, de um golpe só, a PGR e o Supremo, que investigam supostos crimes cometidos pelo presidente do país, a partir de denúncias do ex-ministro Sergio Moro.

"Ninguém está acima da lei e a Constituição é baseada na autonomia dos poderes. Não cabe, portanto, ao chefe do GSI dizer ao STF e à PGR o que devem fazer. Um absurdo total, que tem que ser repudiado por toda a sociedade, com o devido pedido de desculpas do responsável pela nota", finalizou Quintão.

Mas há quem apoie a nota em tom de ameaça do GSI. Segundo a deputada Carla Zambelli, em sua conta no Twitter escreveu sobre a imagem da carta do general Heleno: "Por isso o admiramos tanto!"

Braga Netto nega golpe
Um pouco antes da divulgação da nota do ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno,vista como ameaça por diversos setores da sociedade, outro ministro, o da Casa Civil, Walter Braga Netto, negou a possibilidade de o governo dar um golpe militar, ao ser questionado sobre a possibilidade, em audiência virtual com deputados e senadores.

"O governo é democrático, é um governo de centro-direita. Isso é teoria conspiratória que não existe" afirmou Braga Netto, em resposta à senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). "Não tem nada de golpe de Estado".

O ministro disse ainda que o governo federal vai editar nos próximos dias uma medida provisória (MP) para "destravar" o crédito para micro e pequenas empresas durante a pandemia.