Presidente Jair Bolsonaro - EDU ANDRADE/Fatopress / ESTADÃO CONTEÚDO
Presidente Jair BolsonaroEDU ANDRADE/Fatopress / ESTADÃO CONTEÚDO
Por MARTHA IMENES
As ações de enfrentamento à pandemia do coronavírus, ou falta delas, levaram o PDT a denunciar o presidente Jair Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional, em Haia. O presidente brasileiro é acusado de crimes contra a humanidade por suas falas atravessadas sobre medidas de isolamento e pela ingerência na saúde pública. O Tribunal informou ontem que começou a analisar uma denúncia apresentada contra mandatário brasileiro e sua condução da crise do coronavírus no Brasil, detalhada a partir de uma representação do PDT na Corte Internacional.

De acordo com a denúncia, Bolsonaro tem contrariado e atrapalhado recomendações globais para reduzir a velocidade de contágio entre os brasileiros, o que teria trazido o Brasil para a situação de mais de 37 mil mortos e 700 mil casos confirmados da doença.

Entre as evidências apresentadas estão frases como a classificação da pandemia como uma "gripezinha", a campanha "O Brasil não pode parar", que depois foi retirada de divulgação dos meios oficiais do governo, a participação frequente de Bolsonaro em atos com caráter antidemocrático, com faixas e bandeiras com pedidos de intervenção militar, fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, assim como a sua presença em lanchonetes ou feiras abertas, que causaram aglomeração contrariando as recomendações sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS), como o distanciamento e isolamento social, por exemplo.

"Não há dúvidas de que as falas irresponsáveis proferidas pelo presidente da República sobre o novo coronavírus influenciam o comportamento dos cidadãos para o descumprimento das medidas necessárias ao combate da covid-19", diz o documento apresentado pelo PDT.
Omissão ao não tomar medidas contra a covid-19
Na ação movida pelo PDT no Tribunal Penal Internacional pesa a omissão do presidente Jair Bolsonaro ao deixar de tomar medidas para enfrentar a pandemia, que no Brasil já matou mais de 37 mil pessoas. Como exemplo, o anúncio do Ministério da Saúde de que o governo não adotaria a política de testes em massa para detectar infectados e nem a substituiria por outra medida, contrariando outra recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

"A acusação de ser omisso e incentivar a disseminação da pandemia é gravíssimo porque não somente viola leis nacionais como pode ser considerado genocídio que atrai a competência da Corte de Haia. Contudo, segundo a jurisprudência da Corte, somente podem ser responsabilizadas os líderes nacionais que não forem julgamos pelas Cortes Nacionais por graves comprometimentos institucionais", avalia o advogado Manoel Peixinho.

E complementa: "A acusação de genocídio, por si só, associada às notícias veiculadas pela mídias nacionais e internacionais jogam a credibilidade do país no limbo". "É preciso aguardar qual será a decisão da Corte de Haia porque ela decidirá se o Poder Judiciário do Brasil tem condições de julgar o presidente acusado", finaliza Manoel Peixinho.

Processos dentro e fora do Brasil
Esta não é a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro é levado à Corte Internacional. Em 2020, após se reunir com o ex-torturador Major Curió, que participou da repressão à Guerrilha do Araguaia, organizações e partidos foram até a Corte denunciar que o Estado brasileiro não estava cumprindo as medidas necessárias de reparação frente à condenação de crimes contra a humanidade na época da guerrilha. Em novembro, Bolsonaro foi denunciado devido a "incitação ao genocídio de povos indígenas", e de enfraquecer a fiscalização e ser omisso na resposta a crimes ambientais na Amazônia.

No âmbito nacional, Bolsonaro pode ter a chapa vencedora do pleito em 2018 cassada. Ontem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou a julgar o caso. O MPF pediu que o inquérito sobre as fake news que estão no Supremo Tribunal Federal seja incluído no processo.
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IAB defende impeachment do presidente
O "negacionismo científico" do presidente Jair Bolsonaro quanto à gravidade da pandemia do coronavírus e a participação do chefe do Executivo em ato que pedia a intervenção militar, o retorno do AI-5 e o fechamento do Congresso Nacional são incompatíveis com o decoro e a dignidade do cargo, configurando crimes de responsabilidade a motivar processo de impeachment, indica parecer elaborado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). No documento, a entidade centenária indica ainda que, se confirmada, a suposta interferência política do presidente na Polícia Federal será mais um "fato gravíssimo" cometido por Bolsonaro, também ensejador de afastamento.

O parecer desenvolvido para analisar a viabilidade jurídica e política para instauração de impeachment contra Bolsonaro é assinado pelo advogado Manoel Peixinho, que também é professor da PUC-RJ. Segundo o IAB, o documento é "absolutamente técnico e jurídico" não tendo relação com nenhum dos pedidos que já foram apresentados à Câmara por partidos.
Hoje o texto será apreciado pela entidade e, se aprovado, será enviado para a Câmara dos Deputados, opinando pela instauração de processo de afastamento do presidente.

Bolsonaro já é recordista em pedidos de impeachment. Em 17 meses de governo foram apresentados 35 pedidos de afastamento, tendo o agravamento das crises política, econômica e da pandemia do coronavírus intensificado a ofensiva da oposição, ao passo que o governo tenta se blindar com as aproximações com o Centrão.

A primeira das ações contra Bolsonaro que o parecer avalia que podem ensejar um impeachment efetivamente é a negação do mandatário acerca da gravidade da pandemia da covid-19 e em prol do fim do isolamento social, o que viola as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo Peixinho, há "grave ofensa ao direito à saúde resguardado pela Constituição de 1988, de modo a constituir crime de responsabilidade".

Peixinho destaca ainda que os atos do dia 19 de abril são inconstitucionais e não se confundem com a liberdade de expressão, uma vez que "as condutas e manifestações tinham como objetivo destruir os princípios constitucionais, juntamente com instituições republicanas, pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito aos direitos fundamentais, em suma, pleiteando a tirania".

Oito crimes de responsabilidade
O documento elaborado pelo IAB lista oito crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro, levando em consideração atos do presidente que foram ímprobos e casos em que, por diversas vezes, houve quebra do decoro presidencial.
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No entanto, com relação a cinco desses atos, Peixinho avaliou que o impeachment não seria a melhor via para "o afastamento de um presidente da República, porque, a despeito de serem atos reprováveis e censuráveis, não teriam o condão de gerar, o apeamento do mais alto magistrado da República".
Palavrões em reunião ministerial dão lugar a PowerPoint
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Enquanto a discussão sobre o novo coronavírus ficou à margem da polêmica reunião ministerial do dia 22 de abril, ontem a doença virou o principal tema do encontro televisionado no Palácio da Alvorada. Os mais de 40 palavrões falados pelo presidente Jair Bolsonaro e auxiliares na reunião tornada pública pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal federal (STF), deram lugar a apresentações de PowerPoint sobre ações de combate à pandemia.

Bolsonaro usou o seu tempo de fala para questionar orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e defender novamente o fim do isolamento social. No encontro, apenas alguns ministros foram selecionados para falar e tiveram um tempo pré-determinado para se manifestar. Ao vivo, eles aproveitaram para fazer um balanço de suas pastas, deixando de lado as posições de confronto que marcaram o encontro de abril.

Os ministros considerados mais polêmicos, como o da Educação, Abraham Weintraub, que chegou a falar em colocar integrantes do Supremo na cadeia anteriormente, ficaram longe dos discursos.

Distorção de dados da OMS
Ao concluir a reunião, Bolsonaro voltou a utilizar dados da OMS de forma distorcida ao dizer que os pacientes assintomáticos possuem chance de transmissão "próximo de zero". Ele usou a informação de forma reiterada para defender a retomada das atividades econômicas. O Brasil possui mais de 700 mil casos da covid-19 e mais de 37 mil mortes decorrentes da doença.

"Isso não é um dado comprovado, nós sabemos, mas é um dado bastante importante porque todas as observações da OMS conduzem para isso. É algo que tem que ser debatido, porque tem reflexo imediato no futuro do nosso Brasil", disse o presidente.

A OMS, no entanto, alertou que há perigo de pessoas pré-sintomáticas transmitirem o vírus e avisou que os estudos sobre assintomáticos ainda não são muito abrangentes.
Bolsonaro também relembrou que quebrou o isolamento social ao visitar comerciantes no Distrito Federal e que foi criticado por isso. Ele admitiu que a saída representava risco, mas defendeu a iniciativa e disse que outros líderes deveriam fazer o mesmo. O presidente também participou de manifestações em mais de uma ocasião.

"Eu fui ver como esses informais estavam sobrevivendo, é de cortar o coração. Eu tinha que estar na ponta da linha até colocando em risco a minha saúde tendo em conta a minha idade, estando no grupo de risco", afirmou Bolsonaro.

Na reunião, o presidente defendeu que a posição da OMS, ainda sem comprovação, sobre os pacientes assintomáticos, vai "com certeza" mudar a orientação de governadores e prefeitos sobre o isolamento social. "Economia é vida, não adianta falar que pode viver feliz para sempre trancado dentro de casa porque isso é uma utopia", declarou.

Impacto menor
Antes de Bolsonaro, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, falou que o grande impacto da pandemia da covid-19 no Brasil ocorreu somente no Norte e Nordeste. As outras regiões, na visão dele, devem ter impacto maior com o inverno e a queda das temperaturas. Apesar disso, ele defende que o impacto ainda deve ser diferente porque os estados, agora, tiveram mais tempo para se preparar.

Pazuello também se solidarizou com as famílias que tiveram vítimas fatais da doença e com profissionais da saúde. "Coloco meu profundo reconhecimento aos profissionais da saúde que estão no combate. Gostaria de usar aqui, mais ou menos a quebra de protocolo, para solicitar a todos uma salva de palmas para esse pessoal. É o mínimo que a gente pode fazer. Eles também estão sacrificando as suas vidas, estão pegando a doença e morrendo, muitos já morreram", disse Pazuello.

O ministro também apresentou o novo sistema do governo de contagem dos casos e mortes pelo novo coronavírus. "Os dados precisam ser completos, sem nenhum tipo de dificuldade de acesso. Estamos há 20 dias trabalhando nesse desenvolvimento de como buscar os dados desde o início da pandemia. É claro que os somatórios (dos dados) estão todos disponíveis", alegou.