Bolsonaro e Arthur Lira são oriundos do baixa clero da Câmara - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Bolsonaro e Arthur Lira são oriundos do baixa clero da CâmaraPablo Valadares/Câmara dos Deputados
Por MARTHA IMENES
Em meio à pandemia de coronavírus, denúncias de mau uso de recursos públicos, além de 64 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados elegeu o deputado Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes do Centrão. Ele foi eleito com 302 votos contra 145 do seu adversário, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado por Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Mas afinal, o que representa a ascensão do candidato do Centrão, antes duramente criticado por Bolsonaro? Para o sociólogo Paulo Baía, a eleição de Lira vai acelerar a aprovação de pautas regressivas. "Na área de Segurança Pública temos o Estatuto das Polícias, que está parado na Câmara há muito tempo, a sua aprovação é muito ruim para a democracia, porque tira a autonomia dos governadores", alerta.
Outra pauta retrógrada, segundo o professor da UFRJ, é em relação aos direitos individuais. "Frequentemente o governo tem tentando emplacar o excludente de ilicitude para as polícias e para as áreas de segurança e GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Bolsonaro se comprometeu com esses dois pontos (Estatuto das Polícias e excludente de ilicitude), creio que agora com Lira essas duas pautas avancem", pontua.
E complementa: "Em relação à pauta de costumes eu tenho alguma dúvida, não sei se vai avançar mais do que está. Entretanto a turma do Lira, o Centrão, é uma turma fisiológica, que quer dinheiro do Estado. Portanto, muitas ações serão feitas agora no orçamento a ser aprovado para 2022 para fortalecer bases eleitorais nos estados de deputados federais vinculados à prefeituras".
"O orçamento será uma peça fundamental para fortalecer esse grupo clientelista, sobretudo tendo a perspectiva da eleição de 2022 para a Presidência da República com a reeleição de Bolsonaro. Sem contar que e muitos deles (deputados) devem concorrer para governador do estado e para o Senado. Ou seja, nós termos o orçamento muito aparelhado por grupos clientelistas é extremamente danoso principalmente em um país de tamanha desigualdade social", avalia o sociólogo.
"A pauta ligada à Segurança Pública, por conta do Estatuto das Polícias, e o excludente de ilicitude, é uma ameaça à democracia", alerta Paulo Baía.
 
Toma lá, dá cá
A mudança de estratégia do presidente Jair Bolsonaro, que no início do seu mandato criticava o toma lá, dá cá na política e associava a distribuição de cargos à corrupção, visa construir uma base no Congresso que proteja seu mandato de um impeachment e faça avançar pautas de interesse do governo, como reformas econômicas e agendas conservadoras como liberalização de armas, por exemplo.
Antes o discurso do presidente era: "Não queremos negociar nada, queremos é ação pelo Brasil", discursou o presidente, em um ato em 19 de abril. Na ocasião, disse também: "Acabou a época da patifaria, agora é o povo no poder, lutem com o seu presidente". Mas logo depois ele passou a buscar com mais consistência uma aliança com políticos do Centrão.
No dia 20 de abril, apenas um dia após dizer que "não queremos negociar nada", Bolsonaro recebeu Arthur Lira no Palácio do Planalto e ambos gravaram sorridentes um curto vídeo em que o presidente manda um abraço a familiares de Lira, selando o início de sua aliança. "Estou aqui ao lado do maridão, do pai. Um grande abraço a vocês dois. Tamo junto, valeu", cumprimentou Bolsonaro. "São grandes fãs e toda hora me pediam isso", diz Lira, em seguida.
Além disso, se a aliança com os partidos do Centrão funcionar, pode servir de base para a construção de uma coalizão eleitoral em 2022, quando Bolsonaro quer tentar a reeleição. Embora o apoio de políticos tradicionais possa afastar eleitores que votaram no presidente em 2018 atraídos pelo discurso anti-sistema, uma ampla coalizão daria mais tempo de propaganda na TV e recursos para sua campanha.


Réu em processo criminal
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O atual presidente da Câmara, Arthur Lira, que tem nas mãos o poder de iniciar ou não o processo de impeachment de Bolsonaro, enfrenta ele mesmo acusações na Justiça por corrupção, improbidade administrativa, rachadinha e violência doméstica - práticas que ele nega ter cometido.
Cabe destacar que, por ser réu em um processo criminal no Supremo Tribunal Federal (STF), o novo chefe da Câmara fica impedido de assumir a Presidência da República na hipótese de ausência simultânea (seja por viagem internacional ou problema de saúde) de Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão.
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Segundo o Ministério Público, Lira enriqueceu quando era deputado estadual operando com outros parlamentares um esquema de rachadinha em que os salários de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa de Alagoas eram desviados — mesma acusação que o filho mais velho de Jair Bolsonaro, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), enfrenta da época que era deputado estadual do Rio de Janeiro.
Além de rachadinha, Lira e outros antigos deputados estaduais de Alagoas são acusados de ter usado recursos da Assembleia Legislativa do Estado para pagar empréstimos particulares. Com essas duas práticas, afirma o Ministério Público de Alagoas, Arthur Lira teve movimentação bancária de mais de R$ 9,5 milhões entre os anos de 2001 e 2007.
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Por essas acusações, Lira e mais oito deputados ou ex-deputados estaduais foram condenados em 2016 na esfera civil por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), cabendo ainda recurso aos tribunais superiores. Apesar da condenação em segunda instância, que gera inelegibilidade segundo a Lei da Ficha Limpa, o mais novo presidente da Câmara conseguiu disputar a eleição de 2018 graças a uma liminar do TJ-AL.
Já na esfera criminal, Lira foi denunciado por desvios na Assembleia Legislativa de Alagoas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na gestão de Raquel Dodge. No entanto, depois que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado a crimes relacionados ao atual mandato parlamentar, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça Estadual de Alagoas sem ser julgado pelo Supremo.
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Lira também enfrenta acusações no STF, onde é réu em um processo por corrupção. Nesse caso, a PGR acusa Lira de ter recebido em 2012 propina de R$ 106 mil do então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU), Francisco Colombo.
Na época, o valor foi apreendido pela Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas com Jaymerson José Gomes, assessor parlamentar de Lira, que levava o dinheiro embaixo da roupa. Depois, o doleiro Alberto Youssef, apontado como operador financeiro do Partido Progressista pela Operação Lava Jato, reforçou as acusações em sua colaboração premiada, quando disse que Arthur Lira e seu pai, Benedito de Lira, exerciam influência em sucessivas gestões da CBTU.
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O novo presidente da Câmara também foi denunciado pela PGR em junho de 2020, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão, pelo apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. No entanto, três meses depois, em setembro, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR, acolheu argumento da defesa de que não havia prova contra Lira e desistiu da denúncia.
O novo presidente da Câmara enfrenta ainda acusações de violência e ameaças por sua ex-mulher, mãe de seus dois filhos, Jullyene Cristine Santos Lins. Em 2006, ela apresentou queixa por lesão corporal contra Lira na Polícia Civil. No entanto, o caso foi arquivado em 2015 após Lins mudar sua versão e ter dito que fez a acusação por vingança. Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, ela disse que alterou seu depoimento após ser ameaçada pelo ex-marido.
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