Por bruno.dutra

Entretanto, a oferta de crédito privado continua limitada, cara e com prazos curtos. Por que? Quais suas consequências? O  relatório anual do Banco Internacionais de Compensações (BIS em inglês), publicado em fins de junho, apresenta um quadro interessante sobre algumas variáveis operacionais dos maiores bancos do mundo.

O Brasil possui três bancos na lista do BIS. Vemos na tabela que, por exemplo, em 2013, eles tiveram o terceiro maior índice de lucros não tributados — atrás somente dos quatro bancos chineses e dos três bancos russos que compõe a a relação, que por sua vez deixam na poeira os demais campeões bancários em economias mais desenvolvidas. Temos bancos bem capitalizados e conservadores na sua administração de risco: por exemplo, no quesito de provisões para perdas com empréstimo, estamos no segundo do ranking, abaixo somente dos italianos.

Mas, se olhamos outros indicadores, não há tantos motivos para se gabar. Por exemplo, no que tange às condições de empréstimos, os indicadores são muito decepcionantes. Sabemos que nossos bancos emprestam relativamente pouco. Mas suas margens de intermediação — diferença entre taxas de juros cobradas e pagas, também conhecida como spread — têm um olímpico segundo lugar no ranking do BIS, atrás somente da Rússia. Por fim, nossos grandes bancos também são campeões em custos operacionais, o que se reflete nas altas tarifas de serviços cobradas aos seus clientes.

Alguns creem que esses paradoxos estão associados ao excessivo tamanho do Estado brasileiro na economia, e apontam para uma redução significativa da dívida pública como uma solução duradoura para o problema. O problema é que essa afirmação se contradiz com os fatos: utilizando dados do FMI, vemos que o Brasil tem um dos melhores rankings (10º) de dívida pública bruta sobre o PIB — e esse indicador vem caindo quase sistematicamente desde 2003. E mesmo que os bancos públicos tenham crescido nos últimos anos, fruto da reação do governo à crise, o setor bancário privado também tem se ampliado e pode se ampliar ainda mais. De fato, como o país convive com excesso de demanda de crédito (o que justifica os altos spreads citados acima), a tese de que o Estado está expulsando o setor privado não convence muito. Há outra tese que me parece mais convincente: a da “estabilização inacabada”.

Essa “estabilização inacabada” tem três capítulos relativamente recentes. Até 1994, com o alto descontrole macroeconômico (crescimento volátil, alta inflação e baixo investimento), era impossível se imaginar o desenvolvimento de crédito de longo prazo e/ou mercados de capital. Com o Plano Real, se inaugura um segundo capítulo: passamos a ter inflação menor e maior estabilidade e a dívida pública se reduziu de forma significativa.

Porém, nas administrações anteriores a 2002, tentou-se, mas jamais se conseguiu promover uma eliminação da indexação de muitos contratos financeiros, e uma redução sistemática e sustentada das taxas de juros de curto prazo — enquanto que os prazos de financiamento da dívida pública continuaram relativamente curtos. Isto fez com que persistisse na estabilidade econômica uma das principais distorções do setor financeiro privado brasileiro: um constante excesso de demanda por financiamento de longo prazo e de setores de crescimento acelerado e maior risco.

A partir de 2003, o setor financeiro privado começou a apresentar sinais de aumento do volume e alongamento de empréstimos, além de novos instrumentos de financiamento de longo prazo. Tudo indicava, até a crise de 2008, que estávamos no caminho da construção de uma curva de rendimento mais normal — com financiamentos privados de prazo mais longo e uma expansão dos mercados de capitais. Ou seja, no caminho de uma redução sustentada do excesso de demanda acima mencionado.

A crise mudou essa trajetória: por um lado, ela aumentou incerteza, fazendo com que a banca privada se tornasse menos propensa a aumentar a oferta e os prazos de crédito (para o comércio e pequenas e médias empresas); e o mercado de capitais se tornou mais volátil e menos importante como intermediário de poupança de longo prazo.

Num contexto de aumento de incertezas macroeconômicas, o setor bancário em qualquer parte do mundo se torna mais conservador. Mas, em um país que possui taxas de juros reais de curto prazo altíssimas, é ainda maior a tendência de retrair-se a mercados de maior risco e/ou com prazos de financiamento mais curto. E, no Brasil, as taxas de juros reais altas são ainda profundamente influenciadas pela indexação de contratos financeiros que têm na sua origem o financiamento da dívida pública.

A contração do setor bancário privado em uma situação de crise aumenta a necessidade do setor público em compensar através de políticas de expansão do crédito das suas instituições financeiras (Banco do Brasil, Caixa, BNDES etc). Isso, por um lado, passa a impressão de que o aumento da participação de bancos públicos é causa, e não efeito, da retração do setor privado. Por outro lado, faz com que os avanços alcançados pelos bancos privados — na criação de instrumentos de captação e empréstimos de longo prazo, completando a curva de rendimentos — se percam ou sejam substituídos por estratégias defensivas.

Talvez um dos principais desafios dos próximos governos não seja somente promover o aumento da eficiência de seus bancos (o que sempre é bem-vindo), mas também (e especialmente) a do setor bancário privado. A melhora dos fundamentos macroeconômicos, especialmente fiscal, sempre pode ajudar nessa trajetória. Mas não creio que baste para tratar do problema. Vai ser, sim, preciso encontrar formas de lidar com os mecanismos atuais de financiamento da dívida pública, no sentido de promover uma redução da indexação na intermediação financeira.

A partir daí pode ser possível que um aumento da competição que leve não só a uma redução dos custos operacionais, das margens e da ampliação dos prazos de financiamento dos bancos privados — um primeiro caminho para o desenvolvimento de mecanismos privados de financiamento de mais longo prazo.

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