Por bruno.dutra

Nesse contexto, mesmo o ortodoxo Banco Central Europeu já flerta com políticas monetárias não convencionais, seguindo o exemplo dos Estados Unidos e do Japão. Se a zona do euro entrar nesta onda, o ativismo monetário se tornará dominante nas economias desenvolvidas. Este namoro pode ter consequências importantes para o Brasil.

O termo “estagnação secular” foi criado em 1938 pelo economista keynesiano norte-americano Alvin Hansen, para descrever a situação de crise econômica e alto desemprego que se seguiu à crise de 1929. Keynes já apontava para tal possibilidade com seu conceito de “armadilha pela liquidez”: uma conjuntura de expectativas de longo prazo tão deprimidas que se tornam ineficazes as políticas convencionais para a retomada sustentável do investimento, do emprego e da produção.

Como já descrevemos nesta coluna (“Estagnação e desigualdade”, 11 de março de 2014), o termo foi ressuscitado por Larry Summers em uma apresentação de menos de 20 minutos no Fundo Monetário Internacional em novembro de 2013 — que deu origem a um livro recentemente publicado com contribuição de expoentes economistas, e disponível na internet (ver https://voex.org). Agora, o fantasma da estagnação secular habita a mente de todas as autoridades econômicas da OCDE, e muitos já começam a apostar que a saída é mesmo a via de políticas não convencionais.

O teste dessa hipótese parece ainda residir em dois experimentos de política anticíclica: por um lado, o dos Estados Unidos, que adotou o QE (Quantitative Easing), que se constitui de pesadas compras de títulos privados nas mãos de instituições financeiras, o que têm mantido baixíssimas as taxas de juros de longo prazo. O segundo, mais recente, tem sido as medidas desde fins de 2012 no Japão pelo novo primeiro-ministro, Shizon Abe. A versão japonesa de política não convencional tem três “flechas” para tentar estancar décadas de perda de dinamismo com crescimento do desemprego: QE “turbinado”, aumento da taxação e reformas para incentivar o investimento. O primeiro já está em plena implementação; o segundo vai ser testado agora; e o terceiro... bem, este parece que vai ter de esperar um pouco.

Os resultados têm sido, aparentemente, positivos — mas não conclusivos. A economia norte-americana, por exemplo, começou a apresentar sinais de uma recuperação: o crescimento anualizado do PIB chegou a 4%, o desemprego vem caindo subsequentemente e o mercado imobiliário volta a apresentar sinais de vida. Mas nada indica uma tendência de sólida recuperação do investimento e do consumo privado — fora os avanços em novas fontes de energia, a expansão do emprego (de baixa qualificação, instável e mal pago) no setor de serviços. No Japão, desde a adoção do Abenomics, o crescimento se robusteceu, com um ápice na segundo trimestre de 2014 que apresentou uma expansão anualizada do PIB de 6,7%.

A maior parte deste resultado foi simples antecipação de compras antes do anunciado aumento da taxação sobre o consumo — como parte da estratégia voltada para a redução da dívida pública no longo prazo. A ruptura da bolha consumista gerou uma subsequente, e relativamente esperada, retração de 6,7% do PIB anualizado no segundo trimestre do ano. Mesmo assim, há indícios de que a tendência de redução do desemprego veio para ficar.

Não tardou para que os países da Zona do Euro, com claros sinais de estagnação (com deflação) e permanente alto desemprego, começassem a admirar com olhos gordos o ativismo monetário nos dois outros grandes da OCDE. A maior resistência vinha até pouco da Alemanha, que se tornou o panteão do conservadorismo econômico na região. Mas, como relatamos no artigo anterior nesta coluna, tem sido os pífios resultados macroeconômicos recentes dos países da zona do Euro, inclusive da Alemanha. Com isso, os flertes com o superativismo monetário têm sido realizados, cada vez mais, “à plena luz do dia”.

Por exemplo, na reunião anual dos presidentes de bancos centrais do mundo, em Jackson Hole, Mario Draghi, presidente do BC Europeu, defendeu a adoção na Zona do Euro de uma politica macroeconômica mais “amigável ao crescimento”. Isto indica que o BCE, ainda que tardiamente, começará a ser menos duro com governos que adotem políticas fiscais mais frouxas, e que também entrará no seleto, mas poderoso, clube dos que adotam o super ativismo monetário.

Este novo quadro coloca ao Brasil desafios ímpares. Menciono um: como temos taxas de juros elevadas, há o risco de ampliação dos fluxos de capital para nossa economia, o que pressionaria mais ainda pela valorização do real. Este tem sido um dos fatores que muito tem contribuído para a perda de competitividade dos produtores nacionais, especialmente do nosso já combalido setor industrial.

Pior: mesmo que dê certo seu renovado ativismo monetário e haja uma recuperação da Zona do Euro, ela não garante por si reverter a tendência de um comércio que anda de lado e depende excessivamente da draga chinesa por insumos de produção e por bens de capital sofisticados. Se der errado, o quadro é evidentemente ainda pior para nós: enfrentaremos uma situação única de retração do comércio com o real ainda mais valorizado. Em suma, o flerte europeu com o superativismo monetário pode complicar ainda mais nossa vida.

Sabemos que a perda da dinâmica da economia brasileira não se deve exclusivamente a fatores externos. Mas também não podemos achar que a sua solução passa somente em ampliação da nossa competitividade para aproveitarmos uma suposta recuperação “benigna” da economia internacional. O mais seguro é assumir que a economia internacional continuará com uma recuperação frágil; seguir com os esforços para aumentar nossa produtividade e competitividade; e, especialmente, contar com os trunfos que possuímos — dentre os quais, um elevado nível de emprego e um mercado doméstico com muita capacidade de expansão.

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