Por diana.dantas

Há muitas décadas, o Brasil precisa de mais investimento, especialmente em infraestrutura, logística e renovação do parque industrial, e por conseguinte de muito mais financiamento de longo prazo. Nestes últimos dez anos, essa necessidade só aumentou com o crescimento da classe média, com o consequente aumento da demanda de mobilidade urbana e pela pressão de competitividade. Mas, apesar do grau de sofisticação do nosso setor financeiro, vivemos dois paradoxos: a banca privada e os mercados financeiros têm muitos recursos, mas financiam com custo elevado e prazos curtos; e as instituições públicas emprestam com condições muito mais compatíveis com as necessidades dos investidores, mas dispõem de recursos (cada vez mais) limitados. A solução para os dois paradoxos não parece simples, mas tem de ser encontrada.

A primeira maneira de tratar o problema parece ser evitar caricaturas e mistificações. Uma delas, muito comum no debate, é que a situação brasileira é única, e causada por décadas de repressão financeira e intervenção pública. De fato, como já discutimos nesta coluna anteriormente, mesmo antes da crise, inclusive em economias desenvolvidas, sempre foi mais significativa do que querem fazer crer a participação pública no financiamento de longo prazo.

Um estudo de 2012 do Banco Mundial indica que há 90 bancos de desenvolvimento no mundo, mas alguns dos maiores deles se situam em países como Alemanha, Canadá e Noruega. O fenômeno não é só ocidental: o Japão conta com um banco de desenvolvimento com ativos superiores a US$ 150 bilhões (recentemente reestruturado e reforçado) e a Coreia do Sul com o Korea Development Bank (cerca de US$ 110 bilhões de dólares em ativos, US$ 800 bilhões de carteira e quase dois mil funcionários). E a China? Bem, não surpreenderá ninguém que ela possua quatro bancos públicos gigantescos, incluindo o China Development Bank (com ativos e carteira de crédito superiores a US$ 1 trilhão e cerca de 8 mil funcionários).

O segundo mito é de que a atuação dessas instituições aumentou após a crise de 2008 basicamente como parte de políticas contracíclicas. É verdade que a maioria das economias do G20 utilizou largamente as instituições públicas para evitar uma significativa retração do financiamento ao setor privado. Porém, o papel dessas instituições foi muito além da função contracíclica: elas foram utilizadas como instrumentos explícitos de política industrial, promovendo substanciais renovações de parques industriais e, mesmo, apoiando o surgimento de novos setores. Para citar um exemplo, nos Estados Unidos, já nos primeiros dois anos da crise, o pacote multibilionário de salvamento do setor automobilístico incluía programas de renovação produtiva — e, como consequência, hoje em dia, aquela indústria americana é uma das mais competitivas e tecnologicamente avançadas do mundo.

Mais recentemente iniciou-se nos EUA uma estratégia de inovação que contém medidas voltadas para os setores de tecnologia de informação e comunicação, infraestrutura, educação, energia limpa, biotecnologia, nanotecnologia, manufatura espacial e avançada. E, se não tem feito mais, isto se deve à enorme resistência política, um quase bloqueio no poder legislativo, a praticamente quaisquer políticas do Executivo.

O terceiro mito se associa à ideia de que o melhor caminho para uma maior participação privada no financiamento do investimento é a redução unilateral da participação pública. Esse me parece um mito perigoso. A maioria dos analistas, inclusive este autor, acredita que — ampliando-se a segurança jurídica, reduzindo a burocracia e mantendo-se a estabilidade macroeconomia e, por conseguinte, com uma redução gradual das taxas de juros — se gerem condições melhores para uma ampliação do financiamento privado de longo prazo. Entretanto, a maioria também concorda que esse é um processo de longa maturação, de criação de instituições e mercados adequados. Ora, mesmo que a primeira hipótese esteja correta, se levamos em conta a segunda, é muito provavel que a retração do financiamento público somente gere ainda mais restrições ao investimento. Como competitividade é, por definição, uma variável relativa, o risco que assumimos é, por querer ser mais realista que o rei, ficarmos irremediavelmente para trás na corrida pelo aumento da competitividade, liderada em grande medida pela expansão dos investimentos estruturantes.

Ao contrário de algumas propostas, creio que o enfrentamento do problema não passa, portanto, pela redução da atuação das instituições públicas. Mas pela utilização dos balanços das instituições públicas existentes como plataformas para o desenvolvimento de mecanismos privados de financiamento — por exemplo, através de ofertas de garantias e ampliação de securitizacao de ativos lastreados por seus ativos. A partir daí, pode ser possível que um aumento da competição dentro do setor privado que leve não só a uma redução dos custos operacionais, mas também das margens e da ampliação dos prazos nas suas instituições e mercados.

Para se alcançar este objetivo, será mais importante do que nunca que os bancos públicos tenham em seus mandatos atrair recursos privados (domésticos e internacionais) e atuar como plataforma no desenvolvimento do crédito privado de longo prazo e de mercados de títulos financeiros. Ou seja, o que exige o momento não é uma redução da atuação e importância destas instituições, mas uma renovação do seu papel.

Você pode gostar