Por diana.dantas
Na semana passada os analistas foram pegos de surpresa com a decisão do banco central da Suíça em permitir uma valorização, sem precedentes, do franco suíço. O episódio é mais um sintoma dos custos que muitas economias têm pago para fazer face à crescente instabilidade global. Apesar das enormes diferenças entre as realidades suíça e brasileira, creio que o episódio traz questões importantes para pensar este momento de ajustes que vivemos no nosso país.
A Suíça é conhecida por ser um dos mais seguros, e discretos, portos financeiros internacionais. Por isto, ninguém estranhou o enorme aumento dos depósitos estrangeiros que inundaram os cofres dos bancos locais desde 2010, fazendo que o franco suíço se valorizasse continuamente em relação às moedas fortes internacionais, especialmente em relação ao euro: 44% de apreciação entre o início de 2010 e fins de 2011. Isso tornou o cidadão suíço ainda mais rico em relação aos seus vizinhos, mas gerou uma enorme perda de competitividade de grandes e importantes produtores — por exemplo, de relógios, fármacos e chocolates — e da importante indústria do turismo local.

Preocupados com a sobrevivência da indústria local, e com os potenciais custos sociais e políticos de um aumento do desemprego, o Swiss National Bank (SNC, o banco central suíço) entrou pesadamente em campo e comprometeu-se a estabilizar a relação euro/franco suíço em torno de 1,2 - cerca de 20% abaixo do valor de fins de 2010. Naquela época os dirigentes do SNC devem ter pensado que, pelos discursos nos G-20 por políticas coordenadas das autoridades monetárias, a economia global estaria caminhando para uma situação de maior estabilidade, e que portanto seria suportável o custo dessa política. Ledo engano: o os se tornou mais instável nos últimos anos. Foram anos marcados, por exemplo, pela desastrosa resolução da crise grega; pela indecisão de países como os Estados Unidos sobre os destinos da sua política monetária não-convencional; pela crise ucraniana, que deu início à atual crise russa; pela incerteza sobre o crescimento e a estabilidade da China; pelo aumento dos riscos geopolíticos no Oriente Médio; e assim por diante. E como a incerteza global somente aumenta a demanda por depósitos na Suíça, as autoridades monetárias locais tiveram de pagar um custo crescente para a política de estabilização do franco suíço.

A gota d’agua para o SNC foi a decisão do Banco Central Europeu em implementar uma política similar às dos Estados Unidos e do Japão — que, ao inundar o mercado global com liquidez, tem gerado o fenômeno das taxas de juros reais negativas nos principais centros financeiros internacionais. Frente ao inevitável, o presidente da SNC anunciou na semana passada o fim da política de estabilização cambial afirmando, em uma lacônica nota, que “recentemente aumentaram significativamente as divergências entre as políticas monetárias das principais áreas cambiais — uma tendência que provavelmente aumentará”. Ou, posto de outra forma, nem mesmo o poderoso SNC está mais disposto a pagar o custo de acompanhar a marcha da insensatez das políticas das grandes potências. O resultado da medida foi uma valorização do franco suíço de 39% em um dia — que apesar de haver se revertido (mas não totalmente) nos dias subsequentes, criou perplexidade dos analistas financeiros internacionais e protestos por parte do setor produtivo local.

Esse episódio ainda terá desdobramentos, mas desde já traz alguns sinais que nós brasileiros precisamos ler com atenção. Por exemplo, como se sabe, o nosso Banco Central tem sido extremamente diligente em evitar oscilações cambiais abruptas. O objetivo dessa política tem sido suavizar impactos de possíveis desvalorizações do real sobre os preços domésticos — em um momento em que a inflação está ainda próxima ao limite inferior da meta. O custo que todos no Brasil arcam não tem sido pequeno: por exemplo, apesar do problema da competitividade do setor industrial brasileira ir muito além do tema cambial, o real forte tem, sim, contribuído para o declínio da nossa competitividade industrial, e para a consequente deterioração da nossa balança comercial. Some-se a isso o fato de termos uma das maiores taxas de juros reais do globo, com efeitos importantes sobre os encargos financeiros para produzir, consumir e investir no país.

Nada indica que esse custo que pagamos cairá nos próximos dois anos. Por exemplo, seria de se supor que a carestia se reduzisse com a queda da demanda interna — especialmente como resultados das medidas fiscais e creditícias anunciadas. Porém, como incluem elevações de impostos e tarifas, essas medidas ainda contribuirão para uma inflação elevada no futuro próximo. Tudo indica, portanto, que teremos de conviver ainda, e por um bom tempo, com um real sobrevalorizado, e, por conseguinte, com um setor manufatureiro ainda em crise; com taxas de juros altas, e custos financeiros proibitivos para quem produz, investe ou consome; e ainda por cima, com pressões sobre adicionais por ajustes fiscais, devido à perversa combinação de queda de receitas fiscais e custos financeiros altos. E olha que aqui nem estamos considerando que, nesse contexto, o investimento na indústria só tende a se reduzir; o desemprego, a aumentar; e a inadimplência, a se elevar; e assim por diante.

Sabemos da necessidade e dos benefícios potenciais dos ajustes em curso no Brasil. E, claro, também temos consciência de que a realidade da Suíça tem pouco a ver com a nossa. Mas o episódio recente do franco suíço deveria ao menos servir para recordarmos dos desafios que temos pela frente, e, evidentemente, dos custos que teremos de arcar para alcançar os objetivos da nossa atual política econômica.
Publicidade

Publicidade