Por diana.dantas
A vitória da Coalização Radical de Esquerda na Grécia não me parece ser uma revolta contra a austeridade germânica. É, sim, o reconhecimento, na prática, que políticas de austeridade, quando aplicadas em crises com as características da que vive a economia global, podem ser socialmente custosas, politicamente difíceis e tecnicamente inócuas. Esta é uma lição que já deveria ter sido aprendida em crises do passado. Ainda está em tempo.
Em qualquer momento, gastar bem e de forma eficiente é um princípio básico da boa administração pública — e não creio que haja economista que discorde disto. Mas quando se fala em política de ajuste, o objetivo básico não é simplesmente gastar menos ou melhor, mas sim reduzir, ou pelo menos estabilizar, o endividamento público. Para todo governo, de qualquer matiz política, são óbvias as vantagens do equilíbrio fiscal no longo prazo. Afinal, um dívida pública em ascensão acaba por empenhar a capacidade de implementar políticas públicas e de realizar investimentos. Por fim, quanto maior o descontrole fiscal, maior a chance da dívida acabar por gerar um aumento das taxas de juros pagas na rolagem sobre a dívida pública — o que também eleva o peso financeiro para o setor produtivo produzir, investir e empregar. Perdem todos, mas especialmente a maioria.
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Ninguém que pensa ou implementa política econômica pode, em sã consciência, ser contra o equilíbrio fiscal como meta. Os gregos são exceção a esta regra? Não creio, mesmo que parte da imprensa internacional se esforce em mostrar que a origem da crise grega se associa a um suposto desdém dos governos locais à este principio básico da administração fiscal — pela prolongada negligência em relação à evasão de impostos no país e por um sistema de aposentadoria exorbitantemente generoso. De acordo com esta visão, com esta combinação explosiva de irresponsabilidade fiscal, não precisaria muito para desequilibrar as contas públicas e levar o país ao caos financeiro.

Sim, é verdade que antes da crise a situação fiscal da Grécia estava longe da ideal, e que ajustes eram necessários. Mas também é fato de que o que fez o barco virar foram, inicialmente, três recessões, quase consecutivas, entre 2007 e 2009. Com a retração da base tributária e a rigidez dos gastos públicos, o déficit saltou rapidamente de cerca de 6% do PIB em 2006 para quase 15% em 2009, enquanto a dívida pública crescia de cerca de € 225 bilhões (103% do PIB) para € 301 bilhões (126% do PIB). A partir daí, e já oficialmente “em nome da austeridade”, a Grécia entrou numa rota de rápida deterioração. Se a ideia por detrás dos 13 programas de ajuste iniciados desde 2010 era reduzir a dívida, o resultado foi, no mínimo, questionável: ao longo destes tenebrosos anos, somente em 2012 o déficit ficou inferior a 10% (8,8%), enquanto que a dívida alcançou recentemente € 323 bilhões (175% do PIB). Isto se deveu, em grande medida, a dois fatores: o efeito profundamente recessivo do ajuste — que foi o principal responsável por quatro anos de retração econômica a partir de 2010; e o aumento do custo médio de rolagem da dívida em mãos privadas.

O leitor poderia imaginar que, por detrás desta loucura, não tenha havido método. Mas de fato, houve. Isto porque o que os subsequentes pacotes de ajuda organizados pela Comissão Europeia (CE), o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) representaram em realidade um exitoso “mecanismo de saída” para o setor financeiro privado internacional — especialmente dos bancos e investidores alemães, franceses e italianos que tinham seus balanços super expostos à dívida grega. De fato, em 2011, um ano depois do primeiro pacote de ajuda orquestrado pelo FMI e pela comunidade europeia, 36% desta exposição já tinha sido transferida para o Banco Central Europeu (15%), a União Europeia (15%) e o Fundo Monetário Internacional (6%); e agora, 62% da montanha de dívida grega está no balanço dos contribuintes europeus — e não por coincidência os maiores credores são os governos da Alemanha (€56 bi), a Franca (€42 bi) e a Itália (€37 bi).

Na época em que se discutia o primeiro programa de ajuste na Grécia, aqui em Washington eu escutei que os gregos tinham de estar preparados para “cortar na carne” para que os programas dessem certo. A este comentário minha primeira pergunta era: Isto vai dar certo? (Coisa que eu sempre duvidei). A segunda era, para mim, a mais importante: A carne de quem? Até agora, foram os trabalhadores gregos e a classe média naquele país que tiveram de arcar com um crescimento de desemprego total, que se encontra em 27%; e com enormes dificuldades em pagar suas contas. Mas são especialmente os jovens gregos, que encaram um desemprego superior a 50%, que estão vendo as consequências do “corte na carne”. Neste grupo, pequenos empresários e as mulheres são os mais afetados. E ainda há um quarto grupo de vítimas (ainda potenciais): os contribuintes europeus, que estão, com razão, preocupados com o fato de que seus governos terão de arcar com a possível moratória grega.

Não há respostas claras para como sair deste buraco que se tornou a crise grega, mas o novo governo está claramente indicando que quer uma reestruturação da dívida e outras condições de ajuste e prazo. Quer um espaço para respirar e enfrentar a espiral de recessão econômica e deterioração fiscal que estes anos de ajuste ineficaz têm imposto ao país. Frente às loucuras que foram cometidas, falsamente, em nome da austeridade, e face ao enorme sofrimento por que tem passado a maioria dos gregos, o que o novo governo está propondo não parece um sacrilégio, nem tampouco “um presente de grego”. Parece, sim, mas como uma oportunidade de reflexão para os que ainda acham que podem vencer crises como a que passa a Grécia com receitas que já fracassaram tantas vezes.