Por diana.dantas

O Partido Conservador inglês voltou ao poder em 2010 com uma plataforma de enfrentar a crise com um choque de confiança a partir de austeridade. A economia britânica passou a demonstrar maior vitalidade somente em 2013, e muitos creditam a espetacular vitória eleitoral da semana passada a essa estratégia econômica conservadora. Foi isso mesmo? E há alguma lição que podemos aferir do conservadorismo britânico?

Vamos direto ao ponto: a resposta inglesa à crise atual nunca foi exatamente um exemplo de austeridade. Depois do tombo do PIB em 2009 (-4.3%), o Banco da Inglaterra se comprometeu com uma política monetária não convencional, similar ao “quantitative easing” (QE) americano. Mas nem as taxas de juros em torno de 0% permitiram uma retomada suficientemente forte para reduzir o desemprego. De fato, houve um esboço de retomado, com o celebrado crescimento de 1,9% em 2010. Mas ele foi seguido de uma desaceleração ate 2012 (0,7% de crescimento); pior ainda: o desemprego dá um salto de 5,7% (em 2008) para 7,9% (em 2010).

Não surpreendentemente, em 2010, o partido trabalhista é substituído por uma aliança conservadora que prometia “austeridade com uma cara humana”. Os ingleses evidentemente entenderam deste slogan que o ajuste fiscal geraria ganhos de confiança e uma rápida retomada do investimento e do crescimento — e, mais importante, do emprego. Se enganaram profundamente: o desemprego somente aumentou nos dois primeiros anos da nova era conservadora - e, com ele, foram às alturas o descontentamento e a desilusão populares. Sobre a austeridade, é verdade que o governo de David Cameron conseguiu reduzir a necessidade de financiamento do setor público de algo em torno de 8% em 2010 para 4% em 2015, enquanto a dívida pública bruta aumentaria de 76% para 91% no mesmo período. Ou seja, frente a este quadro, os Tories, como são conhecidos na Inglaterra, decidiram fazer o que os conservadores em muitas partes fazem: mantiveram o discurso da austeridade, mas na prática afrouxaram um pouco a política fiscal.

O único trunfo que possuía até 2012 a estratégia dos Tories era o fato de a combinação de política monetária e fiscal frouxas não ter causado inflação. Mas porque isso não ocorreu? Creio que por pelo menos três razoes. A primeira está no fato de que a liquidez adicional gerada pelo QE inglês foi absorvida, com um sorriso nos lábios, por estrangeiros. Isso porque, apesar da retração do seu peso político e econômico no mundo, os britânicos conseguiram manter a libra esterlina como moeda de troca das finanças e do comércio global. Isso lhes concede o “privilégio exuberante” (junto aos Estados Unidos) de emitir títulos públicos em volumes gigantescos sem que “o mercado” encare isso como o caminho para o caos fiscal.

A segunda razão se relaciona ao fato de que parte da liquidez adicional se dilui na circulação financeira gerada pelo novo boom especulativo no mercado imobiliário britânico. A terceira razão é que parte do consumo adicional termina por ampliar as importações, evitando assim pressões sobre a oferta doméstica — mas criando um déficit comercial que sempre foi alto desde 2008, e a partir de 2013 nunca foi inferior a 4.5% do PIB.

Apesar de todo o discurso, não foi a política de austeridade que permitiu aos Tories evitar um resultado econômico (e, eu diria, eleitoral) medíocre. A queda do preço do petróleo e, portanto, dos custos de transporte aliviaram o bolso do debilitado consumidor inglês e o custo de produção da não menos combalida indústria. A retomada da economia americana e a valorização do dólar deram um impulso adicional para um pequeno ajuste da competitividade. A economia passou a acelerar-se, crescendo 1,7% e 2,6%, respectivamente em 2013 e 2014 — e tem chances de crescer 3% em 2015. O investimento teve uma pequeníssima recuperação, e, melhor ainda, o desemprego voltou a um patamar pré-crise de 5,4%. Face a esses números, só uma coisa me surpreende: que a maioria dos analistas políticos tenha duvidado da possibilidade do resultado eleitoral. Afinal, como diria o estrategista político de Bill Clinton sobre a vitória na campanha contra George Bush (pai): “É a economia...”!

Eu prometi terminar falando de lições sobre o Brasil. Então vamos lá. Talvez o melhor seja começar por dizer o óbvio ululante: não somos a Inglaterra. O real não é moeda forte, não temos nenhum “privilégio exuberante” e nosso mercado de dívida pública é basicamente doméstico. Temos uma inflação que, se era alta, acelerou-se a partir dos reajustes “a toque de caixa” dos preços administrados. Ao contrário dos Tories, não podemos nos dar ao luxo de manter taxas de juros baixíssimas sob o risco de sofrermos fugas de capital ou uma desvalorização, inflacionária, do real. Por fim, nunca tivemos os investidores, nacionais, estrangeiros ou o FMI, pedindo para que afrouxássemos nossa política fiscal. Ao contrário, sempre temos os olhos atentos do mundo pedindo mais “cortes na carne” (dos outros, evidentemente) — uma outra face do “privilégio exuberante” no atual sistema financeiro internacional.

Não somos a Inglaterra. Mas pelo menos uma lição não podemos deixar de ver nessa história: nem os Tories, no alto de sua fé liberal, ousaram, frente à atual crise externa, promover a austeridade monetária, e muito menos um arrocho como programa de responsabilidade fiscal. Os conservadores britânicos sabem que esta combinação gera recessão, quebras de empresas e mais desemprego; mas estariam “dispostos” a aceitar todo esse sofrimento (dos outros, é claro) caso levasse ao equilíbrio fiscal e ao crescimento no futuro. Mas indicam também saber que esta estratégia pode ser contraprodutiva e desastrosa em um momento externo difícil, pois essa combinação arrisca provocar uma queda acelerada e cumulativa da arrecadação do Tesouro — um caminho contrário da austeridade fiscal de longo prazo, que corretamente defendem.

Além disso, os Tories parecem entender que um ajuste nesses termos, quanto prolongado, termina por reduzir a confiança dos produtores e investidores, minando a possibilidade do crescimento pelo investimento, da redução do desemprego. Sem contar que, por fim, compreendem, como bons economistas políticos que são, que esse caminho mina o apoio político necessário para possíveis ajustes futuros. Ou seja, eles sabem que é uma combinação tecnicamente infrutífera e politicamente desastrosa — uma receita testada muitas vezes e que não deu certo.

Em suma, temos muitas lições a aprender com o conservadorismo inglês. Basta fazermos um esforço para traduzi-las de forma adequada.

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