Por diana.dantas

Nestes últimos anos, diversos países tentaram receitas distintas para enfrentar a crise. Alguns, como os Estados Unidos, lançaram políticas monetárias expansionistas, que ajudaram a segurar os preços de ativos e até a fazer ressurgir o consumo. Mas o investimento continuou a rescindir de uma visão clara dos empresários sobre para onde ia a economia. Outros, como a China, dobraram a aposta colocando suas pules todas na expansão do investimento produtivo e na construção, “bombados” por esquemas de crédito público e por “sistemas bancários sombra”. Hoje, vivem o problema do excesso de capacidade e de dívida, e uma difícil tarefa de pousar de forma suave. A zona do Euro já tentou de tudo: austeridade fiscal, frouxidão monetária e agora parte para programas de infraestrutura e de apoio a pequenas e médias empresas de larga escala. Todos patinam, e foram, no seu momento, o “exemplo de sucesso”.

No Brasil, tentou-se um política creditícia e fiscal expansionista, que permitiu uma reação inicial espetacular à crise. Na época, o mundo nos mostrava como um Cristo Redentor decolando como um foguete no espaço. Mas o êxito dessa largada inicial requeria a continuidade do crescimento da produtividade e, especialmente, da produção, que promoveria uma expansão dos recursos fiscais necessários para manter estabilizada a dívida. Não ocorreu: faltaram sinais para os investidores privados continuarem apostando na melhoria da infraestrutura e nas capacidades produtivas, e a inflação embicou. Tudo o que o país precisava era de uma crise institucional para transformar o desânimo em desespero, e jogar nosso crescimento numa encruzilhada.

Aqui estamos. Mesmo que necessário, o contingenciamento de gastos proposto pelo governo vai redundar inevitavelmente numa recessão, com custo enorme para os brasileiros – e especialmente para os trabalhadores. É, portanto, absolutamente fundamental agora a tal agenda positiva — por três razões. Primeiramente, porque o ajuste proposto pelo governo não resiste a um tombo maior da arrecadação, se a retração econômica for maior que a prevista; e é natural que a resistência a aumento de tributos seja maior em momentos de vacas magras. Segundo, porque no setor privado ninguém faz investimentos em ampliação de capacidades produtivas e de infraestrutura em uma economia sem um horizonte claro da expansão. Por fim, porque as políticas públicas (inclusive o ajuste) requerem apoio daqueles afetados, direta e indiretamente, pelos cortes. Este apoio, por sua vez, “disciplinará” as forças políticas, no Legislativo e no mundo partidário, a apoiar a continuidade do próprio ajuste e de outras políticas públicas.

Em um momento de deterioração da balança comercial, de competividade em baixa, e de inflação em alta, a agenda não pode, evidentemente, calcar-se mais no crédito e no consumo. Dois tipos de investimento são, entretanto, candidatos naturais para nos ajudar a mitigar, e mesmo sair, da crise: em “gente” (educação, saúde e desenvolvimento social) e em infraestrutura. Ambos são, como é “sabido e conhecido”, pilares fundamentais (vale a redundância!) para o aumento da produtividade e da competividade.

O desafio é maior agora, pelo fato de que dos quase R$ 70 bilhões do contingenciamento orçamentário, quase R$ 22,6 bilhões venham de reduções mais significativas nos recursos disponíveis para esses gastos sociais. Mas há fatores de mitigação — eu creio. Primeiramente, a distribuição dos cortes demonstra, sim, que as prioridades do governo continuam corretas; ou seja, os cortes relativos nas pastas de Saúde (11%), Educação (19%) e Desenvolvimento Social (4%) foram inferiores à média (de 22%) do contingenciamento previsto — inclusive essas pastas continuam a representar a maior parte do orçamento (67%). Em segundo lugar, por serem complementárias num contexto de desenvolvimento inclusivo, parece haver ainda espaço para um aumento da coordenação e, portanto, de redução de custos e aumento de eficiência das políticas dessas pastas.

Talvez o mais complicado para um agenda positiva seja ampliar os investimentos em infraestrutura e logística, quando diminuem os recursos do BNDES; e quando a capacidade das empresas construtoras nacionais está comprometida, seja por problemas de capital, quanto pela crise de governança que atinge o setor. Aqui, sim, serão testadas a capacidade inovadora do governo, no sentido de alavancar recursos privados e de trazer novos parceiros; e a habilidade da nossa política externa (não só do Itamaraty, mas do Mdic), no sentido de atrair recursos estrangeiros. Mas também ajudaria muito um amplo plano de infraestrutura, com horizonte largo — por exemplo, que tenha a perspectiva sistêmica da construção de um sistema multimodal de transporte para integração nacional, latino-americana e para o comércio exterior; e que envolva uma política de atração de fabricantes dos insumos para o país ou dos fabricantes já existentes. Em suma, talvez o que nos falte mesmo seja um bom Plano de Metas.

Uma ultima observação: para que tenha sucesso, essa agenda precisa de apoio amplo da cidadania e dos políticos que a representam. Creio que, apesar dos pesares, esse apoio ocorrerá: afinal, os políticos foram eleitos para a cidadania para construir o futuro de desenvolvimento e justiça social que todos indicamos querer quando aprovamos a Constituição cidadã de 1988. Que venha, portanto, a agenda positiva. E que venha logo.

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