Por diana.dantas

São poucos os países que desenvolveram, espontaneamente, instrumentos privados com prazos e custos capazes de dar tranquilidade ao investidor produtivo. E, onde ocorreu, frequentemente foi um resultado de intervenções, através de instituições públicas, voltadas a promover o surgimento de fontes privadas de financiamento longo prazo (o chamado crowding-in). No Brasil, nos últimos 50 anos, políticas de desenvolvimento financeiro têm sido acanhadas e erráticas. Talvez essa seja a razão de termos tantos desafios e dificuldades de financiar o investimento e a infraestrutura.

O desafio de criar fontes de financiamento de longo prazo foi vencido nas economias mais dinâmicas do G-20 através de distintas intervenções. Dois modelos de política chamam a atenção no pós Segunda Guerra. O primeiro se caracteriza por políticas através das quais o governo estimula o desenvolvimento de novos instrumentos privados e mercados de financiamento de longo prazo. Este estímulo pressupõe uma regulamentação apropriada, “segurança jurídica”, e, sublinho, taxas de juros de curto prazo consistentemente baixas. Mas vai muito além disso. Por exemplo, nos Estados Unidos o sistema de hipotecas foi uma construção a partir da fundação da Federal National Mortgage Association, a Fannie Mae, voltada a adquirir hipotecas que financiavam o sonho da casa própria americano. Essa construção somente se completa com a criação em 1968 com a criação da Government National Mortgage Association, ou Ginnie Mae, através da qual o governo passou a prover seguros para empréstimos imobiliários realizados pelo setor privado. Ao longo dos anos, o sistema evolui no sentido da criação de mecanismos de “empacotamento” e colocação de bônus, adquiridos em sua grande maiores por grandes investidores institucionais — que, mesmo depois da crise hipotecaria de 2008 (que terminou se tornando algo muito mais amplo), continua a ser a base do maior mercado imobiliário no mundo.

Na Alemanha, grande parte do sistema de financiamento de longo prazo (mas também de exportações e inovações), teve como peça principal um sistema de garantias e políticas de criação de instrumentos em torno do enorme banco de desenvolvimento nacional, a KfW. O Estado alemão entra no esquema assumindo inicialmente os riscos das inovações criadas, desenvolvendo os elos que ligam os investidores produtivos e os investidores institucionais. Uma vez que esses “elos” são testados, essas instituições passam as atribuições para as instituições e mercados privados. Esse foi o caso do financiamento de pequenas e médias empresas e de infraestrutura tradicional. Mas também tem sido o caso mais recente do funding de infraestrutura sustentável e de processos de produção inovadores.

No modelo “asiático”, o papel do Estado no desenvolvimento de mecanismos de financiamento é muito mais agressivo. A Coreia do Sul já havia copiado do Japão um sistema de financiamento fortemente calcado em grupos econômicos em torno de instituições financeiras. O governo influencia a governança de ambos, o que permite políticas coordenadas de captação e aplicação de recursos de longo prazo. Na China, este modelo de intervenção assumiu características de uma “economia de comando”, já que os grandes bancos são públicos e porque os grandes “poupadores” são corporações, também de propriedade do governo. Somente nos últimos anos houve alguma ruptura no modelo, com uma certa tolerância do governo ao desenvolvimento do chamado “sistema bancário sombra” — que, por sinal, tem sido muito criticado pelo grau de instabilidade que tem causado na economia chinesa.

No Brasil, as políticas públicas frequentemente foram permeadas por posições acaloradas, nada pragmáticas, dentro de um já ultrapassadíssimo debate — onde de um lado está a turma que crê que qualquer intervenção do Estado “expulsa” o setor privado (crowding-out); do outro, a turma que acha que a solução do problema sempre passa por o Estado assumir todos os riscos e custos do desenvolvimento. Por isso, há mais de 50 anos (desde as reformas financeiras dos início dos anos 60) passamos por ciclos de intervencionismo e períodos de total ojeriza à intervenção estatal. Apesar dessa polarização ter retornado com uma força incrível na mídia e no debate, agora parece ser um momento de aposta do governo nas possibilidades de crowding-in, a partir de novos instrumentos desenvolvidos dentro e fora das instituições financeiras públicas — como, por exemplo, as debêntures de infraestrutura.

Como venho repetindo nesta coluna, a iniciativa é correta. Mas dado o nível atual de taxas de juros e a enorme incerteza da trajetória macroeconômica, infelizmente há poucas chances de um resultado positivo no médio prazo. E, claro, isso provavelmente trará frustrações, tendo em vista a enorme expectativa que vem se gerando na expansão dos investimentos em infraestrutura e de renovação produtiva — visto como solução para esse círculo vicioso de baixa produtividade, baixa competitividade e baixo crescimento. Esperemos, entretanto, que essa possível falta de resultados não provoque uma total reversão nesse caminho de construção institucional — que deve ser uma política de Estado, e não só de governo. Do contrário, temo, dentro de 10 ou 20 anos continuaremos nos perguntando por que o financiamento de longo prazo no Brasil é tão escasso.

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