Funcionário da prefeitura de Campos higieniza as ruas enquanto pessoas circulam pelo Centro - Jean Barreto/Prefeitura de Campos
Funcionário da prefeitura de Campos higieniza as ruas enquanto pessoas circulam pelo CentroJean Barreto/Prefeitura de Campos
Por Leonardo Maia
Campos — Campos está numa encruzilhada, em que é difícil vislumbrar o que a aguarda ao fim dos caminhos a tomar. Por um lado, a pandemia do coronavírus está em seu pior momento, no município e na região, com grande crescimento de casos e mortos. Por outro, a também grave crise econômica acirrada pelo isolamento social, que lança muitos ao desemprego e à pobreza. Priorizar a preservação das vidas ou ceder à pressão dos setores da economia? A prefeitura campista tenta navegar um rumo entre um e outro.
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“A gente já imaginava lá atrás que isso ia acontecer. A pressão da economia vai acontecer. O que o prefeito (Rafael Diniz) tem tentado fazer é seguir as orientações das autoridades de saúde”, diz Felipe Quintanilha, secretário de Desenvolvimento Econômico, que frisa. “Não dá para colocar como opostos saúde contra economia. As duas coisas são correlatas”.
Campos está em sua terceira semana do que foi batizado de lockdown parcial — em que é permitido o funcionamento de algumas atividades, além das consideradas essenciais. A classificação faz parte de um plano de retomada baseado em um modelo matemático, que considera diversos fatores para definir o nível do isolamento social, entre eles o número de novos casos e de ocupação dos leitos de hospitais.
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O secretário de Segurança Pública de Campos, Darcileu Amaral, notifica o dono de uma lanchonete aberta irregularmente neste sábado, no Centro - Jean Barreto
Diniz busca se manter firme na obediência às autoridades médicas, mas a própria adoção do sistema, com eventual relaxamento de algumas medidas, atendeu a demandas de representantes do comércio e da indústria locais, estrangulados por três meses de portas fechadas.
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“Quando começamos a interrupção das atividade, em março, ninguém esperava que seria assim. Achamos que seria coisa de um mês”, reconta Leonardo Castro de Abreu, presidente da Associação Comercial e Industrial de Campos (ACIC). “Começamos a perder emprego, renda, e estamos entrando em um cenário de caos social”.
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Nas projeções da ACIC, o setor já absorveu um prejuízo de mais de R$ 300 milhões em Campos. Cerca de 30% dos trabalhadores do comércio perderam seus empregos; 40% dos negócios estão totalmente fechados.
O presidente da CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) de Campos, José Francisco Rodrigues, é mais cauteloso em medir a dimensão da tsunami econômica provocada pela covid-19, ao dizer que o real tamanho do estrago só será possível verificar depois que a onda passar, mas estipula que “cerca de 20% dos CNPJs não vão mais reabrir”.
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“Estamos fechados há 90 dias, é muito para o comércio. Enquanto isso, tem muita coisa aberta, o que mantém as pessoas na rua”, aponta Rodrigues.
Os gestores municipais estão bem conscientes desse impacto. A prefeitura, que já sofria com forte queda de arrecadação, vê as receitas provenientes de tributos praticamente zeradas. O prefeito adiou o recolhimento de ISS, IPTU e outras taxas para tentar dar fôlego ao empresariado.
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O presidente da Associação Comercial e Industrial de Campos (ACIC), Leonardo de Abreu - Divulgação
“É o pior cenário da história do município. Já tínhamos uma queda enorme dos royalties. Com a pandemia, vivemos o momento mais trágico da história de Campos. Nada se compara”, avalia Quintanilha.
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Se os números da economia são capazes de sensibilizar qualquer um, o que dizer das estatísticas da epidemia, em que os algarismos representam pessoas, e não valores monetários. Uma rápida olhada por eles demonstra a complexidade do dilema que prefeitos e governadores de todo o país encaram.
Depois de se espalhar pelas capitais, o coronavírus agora avança pelo interior, pelas cidades médias e pequenas. Nas últimas duas semanas, Campos teve um aumento de 80% do número de casos. Em Itaperuna, no Noroeste Fluminense, cidade de pouco mais de 100 mil habitantes na qual o prefeito, o médico Dr. Vinicius, lutou até com a justiça para manter o comércio aberto, a quantidade de infectados mais do que dobrou no período.
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Quintanilha pondera o conceito de interiorização da pandemia e coloca os números em perspectiva, pelo menos no que se refere a Campos.
“Esse grande aumento de casos aqui não necessariamente significa uma piora do quadro. Nós temos ampliado muito a capacidade de testagem no município, o que leva a uma redução da subnotificação”, diz o secretário.
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No mês passado, a prefeitura fez uma parceria com a Uenf para a capacitação de um laboratório do Hospital Geral de Guarus para a realização de exames da covid-19. Antes, as amostras tinham de ir ao Rio, e voltavam com o resultado com cerca de 15 dias. Agora, os laudos saem com até 48 horas.
Na semana passada, foi colocado em funcionamento o aplicativo Dados do Bem, que vai permitir o cadastramento e o rastreamento dos campistas, e a seleção de um número maior de pessoas para a realização dos testes. Com isso, as autoridades médicas esperam ter uma visão mais precisa do panorama da doença, estabelecer políticas públicas de contenção e prevenção ao vírus, e com isso permitir o relaxamento do isolamento com mais segurança.
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Ainda assim, Abreu e Rodrigues usam argumentos similares para defender uma flexibilização maior da atividade econômica. Para ambos, os empresários e comerciantes podem atuar como um parceiro do poder público ao manterem seus negócios abertos com rigoroso respeito às normas de prevenção, como uso de máscaras e álcool, e conscientizarem funcionários e consumidores.
Pandemia avança e Diniz estende lockdown parcial por mais uma semana“Acho que não pode abrir tudo, infelizmente algumas atividades vão ter que esperar. Cinema, festas, turismo, shows, isso vai demorar muito”, diz Rodrigues, que tem uma empresa de turismo, fechada desde o início da quarentena. “Mas você pode abrir o comércio de rua. Essas lojas nunca ficam cheias, não vão criar aglomeração. E podemos reforçar a importância dos cuidados necessários para evitar o contágio”.
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“Sabemos que a prefeitura está entre a cruz e a espada. Mas o empobrecimento está se agravando muito. Temos que buscar um equilíbrio”, cobra Abreu, que sabe bem a gravidade da covid-19. Sua mulher foi internada por causa da doença, e ele e a filha, médica, também se contaminaram.
No que todos concordam é que grande parte do problema está no fato de a população não ter respeitado nunca as medidas de isolamento, principalmente no início da pandemia. Agora, a pressão pela retomada de uma nova normalidade é enorme, de todos os lados.
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Mas Quintanilha é taxativo quanto ao compromisso do poder público.
“Neste momento a prioridade zero é salvar vidas”.