Átila Nunes
Publicado 17/07/2021 03:00
A Era das Trevas durou cerca de 600 anos e é lembrada como "Inquisição", um trecho da História em que a caça às bruxas, para os caçadores, é claro, era uma tarefa até honrosa, pois eles acreditavam que algumas mulheres tinham poderes de bruxas. Mais de um milhão de pessoas, a maioria, mulheres, foram queimadas nas fogueiras nas praças públicas.
Mulheres sempre pagaram um preço alto em nome do fanatismo religioso. Sempre foram o bode expiatório para explicar tragédias como epidemias. Imagine alguém culpar as mulheres pela Covid como chegaram a culpar as mulheres pela Peste na Europa medieval. Mulheres nada mais eram do que 'enviadas' de Satã, e por isso, julgadas como seres inferiores. Estamos falando da Idade Média, onde se desenvolveu a ideia absurda de que elas não tinham alma, apenas um corpo físico. Como chegaram a essa conclusão? Porque mulheres seriam mais vulneráveis às tentações satânicas.
Para os fanáticos religiosos, a sexualidade feminina sempre foi a porta de entrada de todos os males. Em quase todos os livros tidos como 'sagrados', a mulher não ocupa um papel destacado. Pelo contrário. A maioria é escandalosamente machista. Numa pesquisa impecável, Paulo Borges lembra que no Velho Testamento, a mulher era obrigada a chamar o marido de patrão e senhor. Além de ser a personificação do mal (por isso teria sido expulsa do paraíso com o companheiro, depois de perverter Adão), ela era apontada como traiçoeira (Dalila convenceu Sansão a cortar os cabelos, retirando-lhe a força).
Engraçado é que existem trechos inacreditáveis, como a descrição de que o mais sábio dos homens tinha mil mulheres, mas ái se umazinha pulasse a cerca: sua condenação seria o apedrejamento no meio da rua. Salomão, genro do faraó, teve 300 concubinas, só que uma delas deu o azar de ser flagrada, traindo o bonitão. Só não foi punida pelos fariseus porque Jesus interveio.
No colégio, eu idolatrava o gênio da Matemática, o grego Pitágoras. Para mim, era o cara. Pois bem, não é que no seu tratado Versos de Ouro ele escreveu que "existe o princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher". É mole? Então aguente essa do poeta, também grego, Eurípedes, que considerava a mulher "o mais temível dos males".
Nas sociedades medievais, quando era gigantesca a mortalidade infantil, parteiras pagavam um preço alto por 'permitir' que crianças morressem sem serem batizadas. E coitadas das mulheres estéreis. Esta seria a forma escolhida para que elas pagassem neste mundo pelo erro de Eva, a 'Mãe do Pecado'. São Paulo afirmou ser indecente a mulher falar dentro da igreja. Santo Agostinho disse: "A mulher é uma besta insegura e instável". São Cristóvão afirmou: "Entre todos os animais selvagens, não há nenhum mais daninho do que a mulher".
Em quase todas as religiões, as mulheres sempre foram relegadas a um patamar inferior, sendo chamadas de tagarelas, lamurientas, briguentas, inconstantes, além de lançarem mau olhado. E íntimas de Satã, é claro. Está lá, nas leis de Manu: "A mulher não pode governar-se por si mesma". Na China, o conselho era de jamais se confiar numa mulher. Na Rússia, acreditava-se que para cada dez mulheres, existe apenas uma com alma.
Ligar a mulher a feitiços sempre foi conveniente, com o objetivo de mantê-la sob a égide do medo e do controle masculino. Eternamente discriminada, raríssimas vezes esteve no centro das decisões. Se existir dúvida sobre isso, basta lembrar os regimes opressivos em que elas vivem nos países de regimes teocráticos da África e da Ásia, certo?
Allan Kardec, o inspirador da Doutrina Espírita, em 1866, publicou na Revista Espírita um artigo intitulado "A mulher tem alma?" Paulo Borges lembra que o codificador da Doutrina Espírita era respeitadíssimo: estudou medicina, matemática, astronomia, ciências sociais, filosofia e dominava seis idiomas. Suas obras foram adotadas em universidades da França. Por isso, chamou atenção seu artigo, na verdade uma denúncia da espantosa negativa da Faculdade de Direito em liberar o diploma de um dos formandos, por ser... mulher. Isso era comum, acredite, a mulher não poder obter título universitário. Depois de muita briga, concluiu-se que, se não existia a previsão da mulher ter títulos universitários, também não havia proibição em contrário. E a aluna foi diplomada.
Ora, espíritos são espíritos. Não existe espírito-homem e espírito-mulher, mas simplesmente espíritos. Quem hoje é homem pode ser mulher amanhã e vice-versa. Só a experiência nos faz mais sábios e até mesmo, mais puros. Não sou dos que creem que o sexo seja só uma necessidade física para perpetuação da espécie. O sexo é mais, muito mais, um tema aliás, que abordaremos daqui a alguns dias.
A mulher sempre foi a grande vítima do fanatismo religioso ao longo dos séculos. No fundo, o machismo disfarçado em textos religiosos que inferiorizaram a mulher para que ela não se tornasse uma competidora. Por outro lado, uma forma do homem tê-la submissa nos limites religiosos sem pé e nem cabeça. O Borges tem uma tese interessantíssima e factível: alguns machões de hoje virão mulheres na reencarnação e, quem sabe, provarão do seu próprio veneno.
Se existem espírito-homem e espírito-mulher, eu seria capaz de apostar que o feminino seria naturalmente muito mais puro e dotado de uma dedicação infinita. Afinal, quem pode disputar com o amor de mãe?
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