Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio MoroMarcelo Camargo/Agência Brasil
Por Chico Alves
Desde que se iniciou a publicação dos vazamentos de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, obtidos pelo site The Intercept, o Brasil assiste a uma surpreendente inversão de papéis. Agora, diante dos microfones ou dos parlamentares que o chamam a se explicar, é Moro quem tem que fazer sua defesa. Algo inusitado para quem por tanto tempo assistiu do posto privilegiado de magistrado os confrontos entre promotores e defensores. A acusação é de que foi parcial ao comandar a maior ofensiva contra a parceria corrupta entre políticos e empresários. A matéria de capa da revista Veja, publicada hoje, traz mais uma bateria de revelações.

A principal delas é que, em uma conversa travada em abril de 2016, Moro orientou os procuradores a fortalecer uma peça, alertando Deltan Dallagnol sobre a procuradora Laura Tessler não ter incluído uma informação na denúncia. Ou seja, alertou a acusação para um furo na sua estratégia. Em outro trecho, Dallagnol dá dicas ao ex-juiz de como argumentar de maneira eficaz quando quiser prender alguém. Há vários outros indícios de que a relação entre o MPF e o juiz da Lava Jato estavam longe dos parâmetros da imparcialidade.

Moro soltou nota em que rebate a interpretação das informações publicadas por Veja. No caso em que teria alertado procuradores para incluir novos dados, argumenta que tal elemento "não foi reconhecido como crime na sentença". O ex-juiz não diz, porém, se orientou ou não o MPF a fazer tal inclusão, como indica o diálogo vazado.

Para o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, a orientação do magistrado aos procuradores, por si só, seria grave, independente da sentença. "O devido processo legal tem que ser o tempo inteiro observado ou então é gerado um vício, uma nulidade. Se foi absolvido ou condenado, é outra coisa", explica Maierovitch. "A questão processual é a separação absoluta entre a acusação e defesa de um terceiro sujeito neutro que é o juiz. Não pode haver promiscuidade processual. Se as mensagens forem verdadeiras, está se revelando que há essa proximidade, isso quebra a isenção". (Veja a argumentação do jurista aqui)

A nota de Moro repudia ainda a "a divulgação distorcida e sensacionalista de supostas mensagens obtidas por meios criminosos e que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente, sem que previamente tenha sido garantido direito de resposta dos envolvidos e sem checagem jornalística cuidadosa dos fatos documentados". A publicação diz que checou (inclusive com o apresentador Fausto Silva, um dos citados nas mensagens) e condicionou a apresentação prévia do material a um encontro pessoal com o ministro da Justiça, o que foi negado.

Essa bomba estoura poucos dias depois das manifestações nas ruas do país que tinham o apoio a Sergio Moro como uma de suas bandeiras. Essas milhares de pessoas confiam na linha de raciocínio do juiz, que não confirma a autenticidade dos diálogos mas se defende dizendo que, se forem verídicos, não contêm qualquer distorção. Do outro lado está uma parcela dos brasileiros que o enxerga como alguém que praticou a magistratura de forma parcial, com objetivo de condenações seletivas. Esse duelo de narrativas parece longe do fim.

Para além do embate na opinião pública, no entanto, os ministros do Supremo acompanham com atenção cada nova revelação. São eles, no fim das contas, que vão decidir se a conduta de Moro beneficiou ou não uma das partes. Nesse campo, o material publicado por Veja cria contratempos importantes para ele. Longe das estratégias de "acusação" e "defesa" do ex-juiz nas ruas e nas redes sociais, cada vez mais a sentença final parece depender do trabalhos dos peritos. O conteúdo das mensagens é verdadeiro ou não? A resposta a esta pergunta é que deverá definir o destino de Moro no Supremo.