Miriam Leitão  - Reprodução de TV
Miriam Leitão Reprodução de TV
Por Chico Alves
Há seis meses, quando foram anunciados os resultados das eleições, havia a esperança de que o clima de extremismo que tomou conta do país tivesse um fim. Pelo que se viu nos últimos dias, o sentimento de ódio por quem pensa diferente persiste. As manifestações contra Glenn Greenwald, na Feira Literária de Paraty, e o cancelamento das participações de Miriam Leitão e Sérgio Abranches em uma feira literária de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, mostram isso. E o pior: nos dois casos houve, no mínimo, leniência das autoridades com gente que faz das ameaças sua prática comum.

No caso de Greenwald, seria até aceitável que um grupo que o considera ativista político fizesse algum tipo de protesto, mesmo que pareça estranho ignorar o teor dos vazamentos de conversas publicados pelo site The Intercept. O movimento em Paraty, porém, não se limitou a faixas e palavras de ordem. Com sistema de som em volume estratosférico e queima de fogos também muito barulhenta, tentou impedir a palestra do jornalista americano (não conseguiu). A discordância virou violência ao tentar cassar a palavra de Glenn e estragar o principal evento turístico da cidade. (Veja aqui)

O que já seria agressivo o bastante tornou-se ainda pior quando, segundo relatos de vários presentes, os rojões passaram a ter como alvo a mesa de debates e a plateia que lá estava. Por sorte, não houve feridos. O aparato policial armado para a Flip não impediu o barulhaço e nem a artilharia de rojões. Não se tem notícia de qualquer investigação sobre o ocorrido.

No caso da jornalista Miriam Leitão e do cientista político Sérgio Abranches, os organizadores da 13ª Feira do Livro de Jaraguá do Sul receberam uma petição com 3 mil assinaturas contra a participação dos dois, previamente anunciada. No texto, muitas críticas ao "viés ideológico" dos convidados. O grupo ousava falar em nome da "população jaraguaense". A cidade catarinense tem 133 mil habitantes.

O coordenador geral da feira, João Chiodini, lamentou ter que cancelar o convite. “É a primeira vez em 12 anos de evento. É muito triste o que está acontecendo”, disse. Chidini contou que teve "vergonha" ao desconvidá-los, mas a decisão foi tomada "para garantir a segurança dos convidados". A organização do evento recebeu ligações, mensagens e comentários nas redes sociais anunciando que Miriam e Sergio seriam recebidos com ovadas. (Veja aqui)

Diante de absurdos desse tipo, é preciso repetir o óbvio: na democracia todos têm (ou deveriam ter) direito a voz. Isso não quer dizer que quem ouve deva concordar com quem fala. Mas só em meio ao debate entre ideias diferentes é possível fazer a sociedade avançar. Cassar a fala de quem não pensa como nós é voltar à barbárie.

Essa platitude não deve servir de lição apenas para grupos radicais e reacionários, que nesses dias se animam a censurar o que lhes dá na telha, mas também para as autoridades policiais que, independentemente da posição ideológica que tenham, existem para garantir a segurança dos cidadãos. Sejam eles de centro, esquerda ou direita. Se não o fazem, estão cometendo crime de prevaricação e devem ser cobradas por isso.