A revelação é grave porque a lei que define as regras para colaboração premiada determina que juízes devem se manter distantes desse tipo de negociação. Seu papel é verificar a legalidade dos acordos apenas após a assinatura. Os diálogos mostram que Santos Lima resistiu bastante à insistência de Dallagnol em seguir as orientações do então magistrado. "Isso até é contrário à boa-fé que entendo um negociador deve ter. E é bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores”, diz ele a certa altura.
Para rebater a interpretação de que fez parceria com a acusação, Moro foi ao Twitter nessa manhã para argumentar: "O juiz tem não só o poder, mas o dever legal de não homologar ou de exigir mudanças em acordos de colaboração excessivamente generosos com criminosos", escreveu. O que o ministro da Justiça não disse (mas sabe muito bem) é que a exigência de mudanças deve ser feita após o fechamento do acordo, como determina a lei citada acima. O que se viu nos vazamentos publicados hoje foi a participação de Moro na produção do acordo que ele próprio iria avaliar depois.
Em outras oportunidades, sobre matérias divulgadas pelo The Intercept, Moro já havia usado a mesma tática de se defender fugindo da questão central. "Todo juiz conversa com as partes", disse semanas atrás. "Isso é verdade, mas fala como?", questiona o jurista Walter Maierovitch. "A parte vai lá com uma petição e despacha num fórum, na sala de audiência, em locais públicos. Agora, falar com as partes por redes privadas é outra coisa". Além disso, os diálogos de Moro com Dallagnol não são banais, nada como um "bom dia" ou "qual a data da audiência?". Comprovariam a parceria entre juiz e acusação, algo completamente ilegal.
Sobre outro vazamento, publicado pela revista Veja, em que o ex-juiz teria alertado os procuradores para melhorar a argumentação antes que fosse apresentada oficialmente, rebateu dizendo que o réu foi inocentado daquela acusação. “O fato de ele ter absolvido não significa que cumpriu o devido processo legal. Se isso for verdade, não cumpriu”, avalia Maierovitch. (Veja aqui)
Para uma parte da opinião pública, Moro é um herói que está sendo atacado por combater a corrupção, com o único objetivo de manter impunes os políticos e empresários que teriam enchido os bolsos com dinheiro do povo. Para estes, a estratégia do ex-juiz é satisfatória. Para quem analisa a questão tecnicamente, porém, a tática não é boa. Se ficar apenas no jogo de palavras, a decisão vai depender cada vez menos da autodefesa de Moro e cada vez mais de a perícia confirmar se as conversas nos vazamentos são verdadeiras ou não. Se forem reais, será preciso bem mais que as explicações dadas até agora.