A mulher escravizada Eva Maria do Bonsucesso tomou uma atitude considerada impensável e deu certo  - Reprodução
A mulher escravizada Eva Maria do Bonsucesso tomou uma atitude considerada impensável e deu certo Reprodução
Por Thiago Gomide
Você está precisando conhecer alguém que quebrou barreiras? Você está precisando conhecer alguém que não teve medo?

Então você está no cantinho certo no momento exato.

Em 1811, Eva Maria do Bonsucesso era livre e vendia couves e bananas na rua da Misericórdia, centro do Rio de Janeiro.

Parte substancial da renda conseguida acabava no bolso do chefe escravocrata.

Tudo estava indo como em um dia comum, sem grandes aventuras, até que uma cabra passou e meteu a boca no tabuleiro.

Faceira, mastigava como se não tivesse furtado.

Como assim?

Eva não pensou duas vezes: foi atrás do bicho e tentou de tudo que era jeito reaver sua mercadoria. Botou a mão na boca e tudo.

O branco que cuidava da cabra era José Inácio de Sousa, amigo e funcionário do futuro Imperador Dom Pedro I.

Estamos falando de alguém ligado à alta casta, alguém que se achava acima do bem e do mal.

Conhece muitas pessoas assim, né?

O que você acha que ele fez? Possesso com o abuso de Eva, uma mulher escravizada, sentou a mão no rosto dela.
Abaixar a cabeça, engolir o choro e sentir o peso da escravidão eram as atitudes comuns. Lembre: isso aconteceu quase 90 anos antes da assinatura da Lei Áurea.
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Com Eva o papo era outro.   

A covardia teve troco. Ela não aguentou quieta não. Podia ser quem fosse.

Mesmo com todas as dificuldades, em uma época que dispensa comentários, Eva foi atrás de seus direitos.

Cerca de 30 pessoas, testemunhas da barbárie, depuseram a favor dela. Emocionante, lembrando que esse ato era um risco também.

O processo foi e voltou, tentaram abafar, tentaram corromper, mas depois de muita luta Eva conseguiu presenciar José Inácio atrás das grades.

Fiz um vídeo contando os detalhes desse caso. Clique aqui para ver e compartilhar.

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Números

Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 75,5% das vítimas de homicídio no País são negras, maior proporção da última década.

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Rua da Misericórdia? Onde ficou?

Ela compõe o time das primeiras ruas da cidade.

Com a derrubada do Morro do Castelo, ela sumiu do mapa.

Historiadores e estudiosos da cidade divergem sobre alguns pontos, mas um consenso é que a rua da Misericórdia encontrava a Igreja de São José e passava por onde está localizado o antigo Palácio da Justiça, na Erasmo Braga.

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Museu da Justiça

Falei do antigo Palácio da Justiça e lembrei do Museu da Justiça, que está no mesmo prédio.

Sempre conta com exposições interessantes, além das visitas guiadas.

A coluna procurou, procurou, procurou no site e não encontrou a exposição que está rolando por lá agora. Infelizmente.

Pode ser que esteja complicado de encontrar. Pode ser que não tenha mesmo. Pode ser que esteja na cara e papamos mosca.

Se alguém descobrir, estamos aqui para voltar atrás.

O site, de qualquer maneira, é esse.

Ano passado, estava em cartaz uma boa exposição sobre a luta feminista no Brasil.

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Pouco conhecida

Só a título de constatação: Eva é uma das grandes heroínas negras da nossa história, mas infelizmente é pouco conhecida.

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Tapa em Dom Pedro I

Ainda conto a vez que Dom Pedro I levou um tapa em Santos.

Não foi no Rio, portanto aguardem.