Professor ensina realidade virtual para alunos de escola pública na Cidade de Deus - Reprodução MultiRio
Professor ensina realidade virtual para alunos de escola pública na Cidade de DeusReprodução MultiRio
Por Thiago Gomide
        “O que você está vendo?”, pergunto para Jenifer Araújo, de 14 anos, que virava o rosto de um lado para o outro buscando saciar a minha dúvida. “ Têm uns tijolos vermelhos”, respondeu sem animação. Dei um tempo, ela precisava se acertar com a novidade. Até balbuciei interagir, mas preferi observar as reações da aluna. Tijolos vermelhos eram um tanto quanto desinteressante para o que estava esperando.

        Algumas balançadas de pescoço depois, ainda bem o enredo mudou de tom. “Professor, estou vendo uns quadros”, “Cara, tô vendo uma parede azul com bagulho do Mário” e “nossa, professor, estou vendo uns quadros! ”, disse Jenifer enquanto as mãos seguravam com força a armação dos óculos.

        Munida de óculos especiais, que custam trinta reais, e de um celular com aplicativo pensado para a experiência em realidade virtual, Jenifer e tantos outros alunos do último ano da segunda etapa do Ensino Fundamental da Escola Municipal Dorcelina Gomes da Costa, pertinho da Cidade de Deus, zona norte do Rio de Janeiro, viajavam pela Semana de Arte Moderna de 1922. “Cara, tô vendo aquela mulher com pé grande”, berrou eufórica uma Jenifer que nem parecia aquela dos muxoxos tijolinhos vermelhos.

        A mulher com pé grande é uma das principais obras da pintora Tarsila do Amaral. Foi concebida em 1928. Como pode-se concluir, não esteve na famosa exposição que aconteceu em terras paulistanas. Apesar de ser um símbolo do modernismo, Tarsila, em 1922, morava em Paris e também não deu as caras. “Abaporu”, a tal mulher com o pé grande, atualmente está em cartaz no Museu de Arte Latino-Americana, em Buenos Aires, capital da Argentina e entrou no aplicativo “Modern Art”, concebido pelos alunos do professor de artes visuais Rafael Costa, em forma de homenagem.

       No começo de 2018, Rafael Costa, que trabalha com games e é formado também em programação visual, estimulou a turma a refletir sobre qual movimento artístico ela gostaria de trabalhar. Após uma árdua discussão, todos chegaram ao consenso que a hoje badalada semana de 22, com seus mais diferentes personagens, era irresistível. Iniciou-se uma pesquisa sobre músicas, obras de arte, fundamentos históricos e até livros que marcaram época. Já potencializados pelo conhecimento, mãos à obra. “O aluno escolhia a atividade que queria fazer. Então tinha aluno que queria escrever o roteiro, o storyboard, ele fazia aquilo e tinha uma nota para aquilo. Teve aluno que queria fazer edição de vídeo...”, lembra o professor Rafael Costa.

       O resultado final foi o aplicativo de realidade virtual “Modern Art”, que, além do “Abaporu”, traz obras de Anita Malfatti, Di Cavalcanti e até música do maestro Heitor Villa-Lobos. O cenário é uma mistura da linguagem do jogo do encanador Mário Bros com elementos da arte modernista, em especial de Tarsila. É simples e direto. É encantador e inspira. “Eu tenho imenso orgulho de ter participado. Foi incrível. Quando eu vi o aplicativo na Play Store, só não berrei porque era de noite”, fala orgulhosa a estudante Lorrane de Alcantara Assunção.

       Jenifer e seus amigos, que cursaram o nono ano do Ensino Fundamental em 2019, se inspiraram na obra do pintor Romero Britto para desenharem uma cidade com as cores do pernambucano que conquistou os Estados Unidos. “A cor do Romero Britto se comunica com os estudantes. Eles me perguntam se Romero Britto ganha dinheiro. Quando respondo que sim, todo mundo diz que também consegue desenhar aqueles traços”, se diverte Rafael Costa, que está prestes a entrar em um doutorado em design com foco em realidade virtual e educação. “Aviso que não é tão fácil como se imagina”, completa.
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Gravação com o Rafael
Fui ver de perto o trabalho do Rafael junto da equipe da MultiRio. 
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Os detalhes dessa experiência estão registrados aqui. O programa é o Dando Ideia.