Publicado 27/01/2020 14:04 | Atualizado 27/01/2020 14:04
O Carnaval de 1919 parecia a redenção. O encontro dos vivos. O brinde a carne. O extravasar depois de um contato tão próximo com a finitude.
Nas festas de rua ou nas festas de clubes, como no Democráticos, no centro da cidade, a turma bebia e cantava até não poder mais.
“Não há tristeza que possa/ Suportar tanta alegria./ Quem não morreu da espanhola,/ Quem dela pôde escapar/ Não dá mais tratos à bola/ Toca a rir, toca a brincar...”, falava uma das inúmeras marchinhas.
A Espanhola era a gripe. Mas não era uma gripe qualquer. Seu poder ofensivo e seus danos eram enormes. Entrou de navio em nossas terras, vinda da Europa, trazendo no currículo milhões de mortos.
Por aqui foi devastadora.
Outubro de 1918 nos remete a uma cidade desesperada.
Não tinham médicos. Não tinham leitos. Não tinham hospitais. Não tinha nada, praticamente. O cenário era terrível.
Pense em doentes nas ruas vomitando sangue. Pessoas tendo alucinações e não falando lé com cré. Várias berrando de dor. Em diversas casas, panos pretos eram colocados na janela. Sabe para quê? Para avisar que tinham vítimas da gripe espanhola ali.
Era um aviso para alguém jogar uma comida, que estavam precisando de socorro. Quem ajudou muito nessa situação foram os policias, os lixeiros...
O número de mortos foi crescendo de forma absurda. A cada dia morriam 500 pessoas por causa da gripe.
No começo ainda dava para controlar os enterros. Depois foi faltando até madeira para fazer caixão. E os corpos? No auge da crise, a turma foi colocando cadáveres no meio da rua. Passava a carroça do lixo e levava embora.
Às vezes a pessoa nem tinha morrido, mas era carregada. Um horror.
Você deve estar se perguntando: e os coveiros? Não tinha número suficiente. A solução foi pegar presos.
Abriram a cadeia. Horror ao quadrado: muitos cadáveres tiveram seus dedos cortados para o roubo de anéis, cabeças degoladas para tirar um cordão e por aí seguia o teatro do absurdo.
Como pode-se imaginar, não havia espaço para rituais religiosos. Muitas pessoas foram enterradas em cova rasa, sem identificação. Muitos foram empilhados e incinerados.
Entre tantas histórias surreais que eu conheço dessa época, uma envolve os bombeiros. A canja de galinha ajudava na recuperação da gripe, diziam os médicos. E os bombeiros ficaram responsáveis por vender galinhas. Só eles podiam vender.
Não é que fizeram um mercado paralelo de galinhas? Teve briga na cidade por causa de galinhas. Quebra-pau.
O comércio, em geral, fechou. Uma exceção: as farmácias deixaram as portas abertas. Não sem motivo: remédios ditos milagrosos vendiam como água mineral no Rio de Janeiro de hoje.
No Brasil, a situação foi se normalizando pouco a pouco após a chegada de Carlos Chagas a diretoria de saúde. Ele convocou médicos, abriu hospitais de emergência, postos de atendimentos espalhados por tudo que é canto, cruzou informações com outros pesquisadores, na Europa, nos Estados Unidos...
A Espanhola saiu como entrou.
Em tempo: Carlos Chagas chegou a ter a doença, mas conseguiu sobreviver. O que não aconteceu com o presidente eleito Rodrigues Alves, que faleceu em janeiro de 1919, não assumindo o posto.
Estima-se que cerca de 35 mil brasileiros morreram. No Rio de Janeiro, uma cidade com 1 milhão de habitantes, é calculado que 600 mil pessoas pegaram a doença e 15 mil não resistiram.
Não era para curtir muito a folia depois desse caos?
9 meses depois nasceram diversos bebês. Eles são chamados de “filhos da gripe”.
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Descrença das autoridades
Nossos representantes duvidaram que a gripe poderia chegar ao Brasil.
Não os protegemos. Não desenhemos saídas.
Deu no que deu.
Lembrem disso sempre.
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Caipirinha era remédio contra Espanhola?
Os médicos, além de canja de galinha, indicavam o consume de limão e canela.
Uma corrente histórica defende que a caipirinha, patrimônio imaterial do Rio de Janeiro, nasceu nesse instante em...São Paulo.
Era um tipo de elixir contra a doença. A fórmula mágica era bem diferente, mas a alma, dizem os especialistas, a mesma.
A cachaça era usada para potencializar os efeitos.
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Por qual motivo é espanhola?
Por qual motivo é espanhola?
Porque estávamos na Primeira Guerra. Imprensa limitada.
A Espanha não estava na guerra, sem soldados nas trincheiras.
Ou seja, sem censura, disse o que estava acontecendo.
Pimba. A doença ficou atrelada ao país que não tinha nada com isso.
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Quer saber mais?
Tem diversos livros, mas indico a leitura do texto "O Carnaval, a peste e a 'espanhola'", do Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz.
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