Victoria e Walter Simão  - Acervo pessoal
Victoria e Walter Simão Acervo pessoal
Por Thiago Gomide
Nos domingos, a Bandeirantes passava um compacto com campeonatos europeus.

Meus primos ficavam no quarto de meu avô vendo os jogos. Acompanhei de longe isso, passando pela porta, mas impressionantemente tenho memória de diversos lances. Luciano do Valle era o locutor.

Palmeirense, meu avô falava sobre o time dos 100 gols. Ademar da Guia era ídolo. Nas peladas da vida, jogava como zagueiro. Orgulhoso, defendia que só marcou um tento na vida, quando entrou com bola e tudo em uma dividida com cinco adversários.

Aquela imagem sempre me marcou. Era simbólica. Um homem enfrentando o que fosse preciso para marcar um gol. Um gol salvador, imaginamos.

Cresci acompanhando meu avô lutando pelo sustento em uma loja de noivas no centro de Petrópolis. No intervalo das vendas, levava a mim e os meus primos em um boteco que tinha pastel e guaraná. Perto do histórico Museu Imperial. Perto do alto poder do Império dos livros de história.

Todo domingo era sagrado: eu e meus primos acordávamos e, na mesa de madeira lascada, tinham pães franceses milimetricamente cortados recheados de manteiga, cobertos por guardanapos. Na geladeira um todinho gelado. Cada um tinha o seu, por gentileza. Somos quatro netos e uma neta. Nunca ninguém jamais conseguirá substituir, ainda que haja os mesmos ingredientes.

Na esquina do apartamento de meu avô, um bar centenário. Após o café amorosamente pensado, era comum irmos a Casa D´Angelo encontrar vovô e meu tio Luís. Torrada Petrópolis para nós. Chope para eles. A vida era simples.

Depois rolava o tal compacto na Bandeirantes.

Não abraço minha mãe há 45 dias. Só a distância ou por telefone que nos comunicamos. Na ligação sagrada de hoje, ela me perguntou se lembrava dos 16 anos de morte de meu avô.

Evidente que recordo, tal qual qualquer leitor que tenha perdido alguém importante. Lembro das conversas. Lembro de tentar animar minha avó. Lembro do Senna, outro personagem que marcava nossos domingos, que faleceu dia 1 de maio de 1994.

Trabalhava no jornal O Pasquim 21. Uma semana depois, na missa de sétimo dia de meu avô, cheguei atrasado. Culpa do Chico Buarque. Com meu pai de motorista, fui até o campo do Politheama, no Recreio dos Bandeirantes. Era garantido que o compositor daria uma entrevista exclusiva para o jornal que ele participou como colunista na década de 1970. Nada. Deu um abraço carinhoso nesse colunista, perguntou se estava tudo bem e saiu.

Coisas de repórter. Coisas da vida.

Deu, ao menos, para chegar antes do fim da missa.

26 de dezembro de 2018. Antes de voltarmos de Petrópolis, paramos em uma padaria no bairro do Valparaíso. Queria comer um pão com manteiga e tomar um mate. Minha mãe desceu do carro para fumar um cigarro (não façam isso!). Paguei e peguei o pãozinho quentinho. Vejo minha mãe conversando com uma senhora.

- Você lembra de mim?, perguntou a senhora que carregava um sacolinha daquelas de feira.

Não, não lembrava. Fui querido (tsc), mas não lembrava. O pão pedia mais uma mordida.

Minha mãe avisou que ela trabalhou na loja de noivas.

- Seu avô amava quando vocês apareciam lá.

Do Pasquim 21 fui ser estagiário na RedeTV!, um ano após a morte de vovô. Chovia e era quarta-feira. Fui para o Maracanã cobrir Flamengo e algum time latino, pela Libertadores ou algo do tipo. Liguei para Gustavo e Rodrigo, meus primos, craques em esporte, para me oferecerem subsídios.

Jogo chato, arrastado. O craque Júnior, ídolo flamenguista que ainda batia uma bola na areia, brigava com o sono na cabine ao lado.

No intervalo, fui tomar água fora das cabines de transmissão. Perto da salinha de jornalistas, encontrei Luciano do Valle que transmitia a partida pela Band.

Pensei falar. Pensei chorar. Aos 20 anos ainda acreditamos nas aparências. Nas aparências.

Parabéns aos trabalhadores. Temos que fazer gol mesmo que cinco zagueiros nos tentem impedir.