Ações de higienização já chegaram a 300 comunidades - Divulgação
Ações de higienização já chegaram a 300 comunidadesDivulgação
Por Thiago Gomide
Quando todos estavam trancados em casa morrendo de medo da morte, os garis estavam ajudando de um lado para o outro na remoção de corpos ou até mesmo na alimentação de quem se encontrava na pior. A limpeza é até redundante escrever. 
Pouco aparentes nos livros de história, os garis deixaram suas marcas em uma das passagens mais dolorosas da trajetória do Rio de Janeiro. Não passaríamos a gripe espanhola sem a ajuda dessa turma. Se eles não existissem e fossem organizados, a infecção ganharia proporções ainda maiores.

Muitas vezes diminuídos pelo ofício, como se fosse uma vergonha contribuir para resolver o X de uma das questões mais importantes para o funcionamento de cidades cheias de problemas, os garis são conhecidos dessa forma desde 1876.
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O Imperador Dom Pedro II que bateu o martelo sobre a necessidade de um sistema corrente de limpeza urbana, que era executado de maneira irregular. A empresa do francês Aleixo Gary foi a primeira a meter a mão na massa para limpar o Rio de Janeiro. O resto você deve já estar deduzindo.

Por falar na França, há na história daquele país um sentimento parecido com o que enfrentamos até hoje no Brasil. Em 1884, os edifícios em Paris foram obrigados a entregar lata para que os moradores colocassem os restos ali. Os garis passariam em sequência para recolher. Foi um tumulto. Protesto. Não queriam colaborar. Parece um bando de gente que conhecemos.

Há uns anos, uma reportagem de TV mostrava uma fila enorme de candidatos para fazer o concurso para se tornar gari. Lá pelas tantas, a repórter indicava que até engenheiros estavam naquela disputa. Até engenheiros. Mais uma face dessa maneira de estigmatizar, né, minha filha?
Sem parecer populista nem abusar do tom político, vale lembrar que em países avançados no índice de desenvolvimento humano a diferença salarial do gari para o engenheiro não é grande. Leia sobre a Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia. Adianto: não há nada de esquerda, direita ou afins. Tem a ver com o entendimento de sociedade que caminha juntinha, onde um escapar de mão degringola tudo. Onde o respeito tem morada.

Há mil possibilidades que são geradas a partir do trabalho dos garis. A reciclagem, por exemplo, gerou cerca de 100 milhões de reais de 2017 a 2018. Isso é fruto de uma pesquisa compilada no “Anuário da reciclagem”. Olha o quanto podemos avançar: o Brasil é o quarto maior produtor mundial de lixo plástico e recicla apenas 1,3% desse material. São bilhões de reais desperdiçados.

Na luta contra a Covid-19, não iremos vencer sem essa moçada. Impossível. No dia do gari, fica mais do que um simples parabéns. É pouco, formal, parece até post para ganhar uns likes. É preciso refletir sobre o papel deles e delas na sociedade. Falei sobre história, falei sobre social, falei sobre cultura, falei sobre economia. Estão na linha de frente de diversas batalhas. Ontem, hoje e amanhã. Tal qual Renato Sorriso na Sapucaí, devíamos aplaudir quando um caminhão de limpeza urbana atravessa as veias abertas da nossa cidade.
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Sem garis, sem vitória.