Policial tentar convencer as pessoas a saírem da praia - Foto: Cleber Mendes/Agência O Dia
Policial tentar convencer as pessoas a saírem da praiaFoto: Cleber Mendes/Agência O Dia
Por Thiago Gomide
Aplaudir médico e sair para jogar futevôlei na praia é contraditório. Comemorar a luta das enfermeiras e trafegar sem máscara é contraditório. Gritar em prol de bombeiros e policiais e passar uma tarde em um bar é contraditório.
Para uma turma o que vale é foto de Instagram, curtida de twitter e a vida real que siga. Parecem duas faces. Dois facebooks de uma conflituosa verdade.
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No sabadão de sol, a bola voando de um lado para o outro nas mais diferentes praias é o símbolo do “sou maior”, do “e, daí?”. Perceba que não é dar uma passadinha, um mergulho ou uma respirada dessa tragédia.   
Da mesma forma que bares lotados traduzem, por incrível que pareça, o individualismo. Não é, sei lá, tomar um chope, comprar algo e voltar para os cuidados de casa. É beber como se não tivesse amanhã. É beber como se não tivesse nada acontecendo. Inocência? Desconhecimento? Tristeza? “Aham, senta lá, Cláudia”.
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Estão todos bem grandinhos e entendendo as consequências dos passos. A negação sempre cobrou alta fatura. Os mesmos que apedrejaram Oswaldo Cruz, meses depois imploraram pelos os seus cuidados. Os mesmos. Os mesmíssimos. Quase 120 anos atrás.
Dia desses uma influenciadora digital, após gravar um vídeo chorosa que havia contraído a doença, organizou uma festa. Uma festa. Com monte de convidados. Filmou e postou nas redes sociais, inclusive desdenhando da vida. Tranquilona. A situação perplexa fez com que ela perdesse patrocinadores.
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Ela está sozinha? Não. Quantos vizinhos estão organizando festas? Festas. Vários. Em todos os lugares. Como se tivéssemos em julho de 2019 ou maio de 1986. Na defesa da influenciadora, alguns disseram que era fruto da pouca idade. É, dependendo do mundo em que vive, 28 anos é um menino e 15 já é adulto.
Cruzes derrubadas na areia de Copacabana nos levam para o encontro de todos esses fatos. A invasão em um hospital, agredindo profissionais da saúde, nos leva para esses fatos. O pai lutando para velar seu menino enxerga o futevôlei arrombando a passagem. A enfermeira que não vê dolorosamente a mãe há três meses por cuidado e zelo enxerga o negacionismo arrombar a porta de vidro do pronto socorro. O policial, sério e comprometido, vê o colega falecer enquanto o shopping tá lotado. 
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Se cada decisão fosse individual, beleza. Mas as consequências são múltiplas, sabemos disso. Todos sabem disso. A mãe da enfermeira ou o pai do policial podem ser contaminados pela cadeia de propagação gerada pelo rapaz que acabou de gargalhar no barzinho. O homem que derruba a cruz não faz sem pensar. A festa não é fruto do acaso. O vírus agradece.
Na foto, um policial busca convencer banhistas a deixarem a praia. Em outros registros, policiais fizeram pelotão para tentar diminuir o tráfego. Ontem, vários shoppings também ignoraram as determinações oficiais. A liberdade confundida com a irresponsabilidade. Em toda a pandemia, não faltam relatos de barzinhos funcionando de maneira tranquila. Alguns dando, como dizem, um migué, meia porta aberta e aquela cara de não é comigo.  
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“Cada um por si e Deus por todos” nunca foi tão atual. As consequências não serão divinas. As fotos sorridentes no Instagram vão continuar. Parabéns pelos compartilhamentos, palavra tão em desuso.