Teatro de Bonecos, com base na foto do LP de Cartola, também está na programaçãoReprodução
Por Thiago Gomide
Publicado 21/11/2020 15:11
“Estou vivendo um péssimo momento. Que história você me indica conhecer? Me ajuda! Preciso me inspirar”.
Recebi essa provocação por e-mail de uma leitora, que por razões evidentes não terá seu nome revelado.
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Uma provocação de tirar o ar.
Prometi escrever essa coluna como resposta, além de tentar oferecer algumas palavras de conforto e indicar (fica a sugestão para todos que me leem, independente de como está se sentindo) tratamento profissional. Terapia salva.
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Pois bem...
O compositor e cantor Cartola é um dos pilares do samba, da cultura brasileira. Reverenciado mundialmente.
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A história de vida dele é cheia de reviravoltas, típicas de um personagem bem brasileiro.
Ele se envolveu com bebida e prostituição. Ficou noites sem dormir. Aos 17, estava órfão de mãe e brigado com o pai. Chegou a não ter canto certo para encostar a cabeça no travesseiro.
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Foi parceiro de Noel Rosa em letras e copos.
“O andarilho citadino Noel fazia visitas tão frequentes aos sambistas de morro que vira-e-mexe dormia na casa do compositor Cartola, em Mangueira. A “santa” Deolinda, primeira mulher de Cartola, cuidava de ambos após os porres homéricos que tomavam”, escreveu o pesquisador e escritor André Diniz, no “Almanaque do Samba”.
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Cartola levantou dinheiro como pintor, guardador de carro, zelador e até ajudante de obra. Vendeu diversas letras. Barato. Não foi reconhecido.
Estava no time que fundou a Estação Primeira de Mangueira, o que dispensa mais comentários. Chegou a se afastar da agremiação, mas terminou a vida em paz com a escola de samba.
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As letras de Cartola foram gravadas por inúmeros artistas, de Chico Buarque a Adriana Calcanhoto, de Maria Bethânia a Beth Carvalho, passando por Caetano Veloso, Lobão e Cazuza.
Por falar em Cazuza...
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“Registrado Agenor de Miranda Araujo Neto, meu filho sempre foi Cazuza, desde a maternidade. No Aurélio, significa uma vespa solitária, cuja ferroada é bastante dolorosa. Ele só se deu conta de que seu nome era Agenor aos 3 anos de idade, quando foi para a escola, o Colégio Chapeuzinho Vermelho, na Rua Prudente de Morais, Ipanema. Perguntava a mim mesma onde estava com a cabeça quando resolvi batizá-lo com esse nome. Até mesmo um irmão de João, registrado como Agenor, passou a vida sendo conhecido pelo apelido de Baby. Cazuza só assumiu seu nome de batismo quando descobriu que o grande Cartola também se chamava Agenor”, contou a forte Lucinha Araújo, no livro “Cazuza, só as mães são felizes”.
Cartola se chamava Angenor, por causa de um erro na hora do registro. Era para ser Agenor, sem o n.
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Cartola teve um grande amor: Zica, mulher responsável por tirá-lo do buraco. Existe um Cartola antes e um depois dela. Paixão de adolescência, Zica ajudou na recuperação de um Cartola cheio de problemas de saúde.
Juntos, lançaram o bar ZiCartola, reduto emblemático da música popular brasileira na década de 1960. Paulinho da Viola, por exemplo, começou tocando nesse espaço.
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O escritor Juliano Barreto, no bom livro “Mussum Forevis”, escreveu sobre a relação do biografado com esse cantinho emblemático da boemia:
“O sambista (Mussum) virou frequentador assíduo do lendário Zicartola, bar na Rua da Carioca aberto por Cartola e Dona Zica e instantaneamente escolhido como casa de boêmios e músicos com currículos lendários. O local servia a famosa feijoada da primeira dama do samba e tinha um estoque infinito de cerveja, atrativos mais do que suficientes para reunir a nata dos músicos do Rio de Janeiro. Quando não estava farreando ao lado dos bambas, Mussum ia muito ao Salgueiro, nas vendinhas de Seu Antônio Barateiro, Seu Lúcio e Dona Ana ou nas tradicionais rodas de jongo dos terreiros de macumba do Pedacinho de Céu. Passar um dia em casa era tão raro quanto ver alguém pagando a conta no Zicartola”.
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Em 1974, com mais de 60 anos nas costas, finalmente Cartola lança seu primeiro LP. E até a morte dele, em 1980, foram mais três lançados. Todos com muito sucesso.
Se eu lhe contar que Cartola ficou durante anos desaparecido, pode ser que não acredite. O jornalista Sérgio Porto, em Ipanema, que reconheceu o então flanelinha, abrindo portas em rádios e jornais.
Em tempos de cólera, nada melhor que mostrar que a vida oferece reviravoltas. Amores incríveis. Amigos.
Nada melhor que lembrar Cartola porque é um personagem próximo, com profundidade, com os tons reais. 
Fique bem, querida leitora, e lembre que "Fim da tempestade / O sol nascerá / Finda esta saudade / Hei de ter outro alguém para amar / A sorrir, eu pretendo levar a vida".
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Quer ajuda psicológica de graça?
Liga para o 1746. 
Você vai ser atendida ou atendido pelos Centros de Atenção Psicossocial.
Não deixe de procurar ajuda.
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Quer saber mais sobre a vida do Cartola?
Fiz um vídeo contando detalhes.
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Documentário disponível
Vamos para o profissional agora.
Em homenagem ao “Dia da Consciência Negra”, a RioFilme, empresa de fomento ao audiovisual da Prefeitura do Rio, liberou o acesso ao belo documentário “Cartola, música para os olhos”, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda.
Clique aqui para ver.
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O valioso Denilson Monteiro
A coluna entrevistou Denilson Monteiro, um dos biógrafos de Cartola.
O livro “Divino Cartola” se tornou obra procurada pelos amantes do samba e da literatura. Na Amazon, um autografado custa quase 1.000 reais. No Mercado Livre, o mais barato 340,00 reais.
Quer saber como Cartola vendia as composições? Quer saber como ele teve aula de malandragem e acabou se tornando professor? Ouça aqui.
Além de biógrafo de Cartola, Denilson escreveu sobre Chacrinha, Carlos Imperial, Ronaldo Bôscoli, entre outros.
Uma boa notícia é que ele está dando aula online sobre escrita criativa, personagens, entrevistas, bastidores de um bom livro e o repertório é gigantesco. O preço é bem em conta, ainda mais por se tratar de um dos grandes da nossa literatura. As aulas são individuais de 90 minutos.
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