Cesário Melantonio NetoDivulgação
Por Cesário Melantonio Neto
Publicado 04/06/2021 06:00
Esta pergunta se coloca com cada vez mais frequência com reaparecimento de graves tensões no Oriente Médio entre Israel e Gaza. Creio ser possível desde que ambas as partes usem referências comuns. O ocidente e o mundo árabe evoluíram no seio de uma mesma civilização, apesar de suas diferentes culturas, respectivamente, a cultura judaico-cristã e a islâmica, ou seja, uma civilização, mas várias culturas.
Um dos momentos-chave da civilização foi a descoberta da agricultura que transformou a relação do homem com a natureza. Mas, até o aparecimento do racionalismo científico “mythos” foi o elemento estruturante nos dois campos e possuía uma autoridade absoluta nas ciências e na moral.
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Os gregos foram os primeiros a transformar o “mythos” em “logos”, mas o “mythos” não desapareceu por completo. Na verdade, se fundiu em tabus culturais que embasam as identidades nacionais. Estes tabus são intocáveis e não sofrem a prova da crítica, sendo enraizados na inconsciência coletiva e variam em função do grau de racionalidade em cada cultura, judaico-cristã ou islâmica.
Após a Revolução Francesa, o Século das Luzes mostrou que a liberdade é uma herança comum que passa para a posteridade sem nenhuma referência a um direito prévio. Mas, o fascismo mostrou a derrapagem possível no sistema democrático mesmo em uma Europa no apogeu do seu desenvolvimento cultural. A explicação foi que o espírito das luzes comporta germes de uma regressão para o mundo primitivo, sem racionalidade e passível de dar nascimento a uma nova barbárie.
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O racionalismo pode escorregar para um processo de autodestruição dominado pelo ceticismo e pelo dogmatismo, ou seja, a velha batalha da civilização contra a barbárie. Os fundamentalistas ocidentais rejeitam o “logos” moderno e hoje se transformaram em um movimento de dimensão internacional.
Quanto ao mundo árabe podemos, igualmente, nos colocar a questão de uma oposição entre as luzes e o fundamentalismo muçulmano e, em particular, no caso do wahabismo aparecido no Século XVIII. Este movimento recusa toda inovação especialmente as introduzidas pelo sufismo herético, na opinião desses purificadores do islamismo.
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Os wahabitas proibiram a música, a dança e a poesia que sempre fizeram parte integrante do mundo árabe.
Eles proibiram, igualmente, toda a utilização de seda, ouro, ornamentos e joias. Esta seita persegue violentamente todos os que não comungam de suas ideias. Este amálgama entre fascismo no Ocidente e wahabismo no mundo árabe demonstra que cada grupo tem os seus fanáticos para combater e preservar valores éticos e morais. É o campo da ignorância e da barbárie contra o da civilização.
O termo ignorância ou “johiliya” no mundo islâmico se aplica à luta contra os reformistas e permite aos muçulmanos recorrer à violência e à guerra para enfrentar os adeptos de correntes liberais. Ali Shariati, ideólogo da Revolução Iraniana, no seu livro “Sociologia do Islamismo”, interpreta a história com o enfoque religioso pela qual desde Caim e Abel ela é uma guerra em que a arma de cada um deve ser a religião. E por essa razão as guerras religiosas sempre foram uma constante na humanidade.
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Shariati sustenta a tese de que o mais importante no fundamentalismo islâmico é a possibilidade de martírio que leva os muçulmanos ao combate sem hesitação. A morte não escolheria o mártir, mas este sim, optaria pela morte em razão da luta sagrada. O testemunho pelo sangue seria a forma mais completa da perfeição religiosa. Diante destas considerações poderíamos nos perguntar se há espaço para uma corrente racional no mundo árabe com a dominação do fundamentalismo islâmico.
A resposta é positiva, pois há uma corrente racionalista no mundo árabe. No fim do Século XVIII o governante egípcio Mohammad Ali enviou missão à França com o fim de propagar a cultura ocidental no Egito. O tradutor Rifaa al-Tahtawi verteu para o árabe 12 obras de Diderot, Rousseau, Voltaire e Condillac. Tahtawi reconhece que a sociedade pode ser fundamentada em bases seculares porque é organizada pelos homens e que as leis, portanto, devem ser expressões humanas.
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Outro egípcio Ali Abdul Raziq foi punido pela Universidade religiosa Al-Azhar do Cairo porque em seu livro “Islamismo e fundamentos da autoridade política” fez referências a Hobbes e Locke refutando o califado como sistema de governo muçulmano. Este autor chegou ao ponto de afirmar que as leis divinas não embasam os sistemas de governo e apoiou a separação entre Estado e religião. Abdul Raziq critica o uso da religião para fins políticos.
Um espaço de liberdade existe no mundo árabe para um diálogo profícuo com o Ocidente. Radicalismos e fundamentalismos ocidentais e árabes podem ser postos de lado para a melhor promoção de um diálogo de civilizações isolando e combatendo os extremismos, em voga, nos dois campos.
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