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Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
No Brasil de hoje, todos nós morremos um pouco a cada dia. A morte se apresenta não somente quando é a morte morrida, que nós fomos treinados para sofrer e resistir. Ela sempre foi sofrida e dolorida, mas, em regra, havia o direito a um rito de despedida que fazia a dor ir se ajeitando para que a gente não morresse junto.

A morte sempre foi tratada com a dignidade que acompanha o mistério, o desconhecido, o medo. E, salvo nos desastres, cada um encontrava um jeito de conviver com a inevitável e inexplicável dor da perda. Mas era um direito do cidadão sentir a dor, até para respeitá-la. Até isso o governo que cultua a morte tem negado ao brasileiro.

Num dia em que se registram 4.195 mortos, um óbito a cada 20 segundos, totalizando 336.947 mortes, o país já é responsável pelo maior número de mortos entre todos os países, representando mais de 1/3 do total no mundo. E, sem medo de errar, é necessário apontar a responsabilidade direta do presidente da República por boa parte das mortes.
É inegável que, no meio da catástrofe da crise sanitária internacional, teríamos muitos mortos. Mas, essa é uma visão isenta, técnica, jurídica e de especialistas da área de Saúde. A condução da crise por esse presidente fascista, irracional e genocida é responsável pelo número excessivo de óbitos.

Os números abissais já bastariam para justificar nossa revolta cívica e humanitária contra o monstro que desonra o cargo, tripudia com a dor, despreza o sentimento de abandono do povo brasileiro. Sem precisar relembrar as inúmeras manifestações sádicas, grosseiras, perversas e doentias que já fazem parte do anedotário nacional. Mas, o que ele pessoalmente, com vontade livre e deliberada, usando do seu poder de presidente da República fez em relação à vacina é de uma indignidade revoltante.

Em maio de 2020, optou por ficar fora da aliança para aderir à produção dos imunizantes. No mês de julho, decidiu por não comprar 160 milhões de doses da CoronaVac. Em agosto do mesmo ano, rejeitou a proposta da Pfizer de 70 milhões de doses. Não é só indigno, é crime! Crime comum e de responsabilidade. Boa parte dos infectados teriam se livrado do vírus se a vacinação tivesse começado meses antes. A falta angustiante do ar para os doentes, seja nos corredores, quartos ou UTIs dos hospitais, tem que estar na conta desse irresponsável.

A dor do que vi e vivi não me dá a isenção de julgar, mas, também, não me permite a covardia da omissão. Ao mal causado aos que sofrem a dor da perda, ou o sofrimento dilacerante da doença traiçoeira, devem ser adicionados os danos colaterais que afligem a todos. A adolescência perdida em um tempo de solidão que há de marcar uma geração inteira. A falta indelével do contato físico, ou mesmo visual, que permite o aflorar da sexualidade, o despertar do desejo, o exercício do jogo do amor e da paixão. Os porres com os amigos e a perda da desculpa dos intelectuais que diziam preferir a solidão, por timidez ou falta de jeito. A solidão agora iguala a todos, é de todos.

No meio do desespero, tento encontrar luz e ar e vejo que as palavras escritas passam a ter um valor diferenciado. Fora do mundo físico, os livros, a poesia e as histórias passarão a ocupar mais espaço. Os fascistas, que nos tiraram o ar, a alegria, o toque amoroso e a vida, não vencerão! Eles detestam a luz, têm ódio à cultura e vivem do esgoto. Porém, um cenário em que as pessoas estão castradas do contato físico permite momentos de reflexão. Claro que, no mundo binário desses bandidos, o limite é o das frases de efeitos, de poucos toques, e das fake news. Mas vamos inundá-los de literatura, pois morrerão à míngua.

Não nos rendamos à estratégia dos bárbaros. Vamos lembrar de Foucault: “O risco de morrer, a exposição à destruição total, é um dos princípios inseridos entre os deveres fundamentais da obediência nazista, e entre os objetivos essenciais da política. (...) É preciso que se chegue a um ponto tal que a população inteira seja exposta a morte.”