Publicado 10/06/2021 06:00
“A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
...
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.”
Ferreira Gullar, poema Subversiva.
Depois de sair de verde e amarelo na manifestação contra Bolsonaro, no dia 29 de maio, e de defender a necessidade de retomar o orgulho, ou simplesmente de ter o direito a usar nossas cores e nossos símbolos nacionais contra a usurpação fascista, comecei a prestar mais atenção na dimensão do que esses gestos representam.
Recebi muitas manifestações carinhosas falando que realmente a ligação direta criada pela propaganda dos bolsonaristas do uso da bandeira, da camisa da seleção e de outros símbolos como sendo representativos dessa comunidade que cultua a morte afastou o brasileiro de algo que seria natural. O grande cineasta, agitador cultural, Neville D’Almeida me mandou um vídeo lembrando que nenhum grupo se atreveria a tomar para si as bandeiras e as cores dos EUA, da China, da França. E, principalmente, com tanto sucesso de marketing. Seria impensável.
No episódio da Copa América, ficou claro que a estratégia usada pelo governo de dominar e usar os símbolos é uma opção forte e definida. Como são negacionistas e pregam que a aglomeração favorece a tal imunidade de rebanho, pouco importando o aumento da contaminação, os governistas trataram de trazer a Copa para o Brasil, como um grande trunfo. Mesmo quem não gosta de futebol há de reconhecer o forte apelo popular da seleção nacional e da camisa canarinho. Tanto que, no auge da ditadura, com a tortura assustando a todos, o ditador Médici tirou o técnico João Saldanha e escalou Dadá Maravilha, e o slogan “Brasil ame-o ou deixe-o” ecoava país afora. E muitos torceram escondidos, envergonhados até, para a Seleção.
Desse episódio da Copa América, no qual a negativa de participação da Seleção durou pouco tempo, o que fica é a mensagem que o brasileiro está cansado de ser usado, manipulado e desprezado. A estratégia de usar a competição de futebol para aumentar a popularidade do governo é autoritária e irresponsável. Esse deve ser o foco dos questionamentos.
A politização do vírus da covid é a versão atual do vírus da morte que era inoculado pela ditadura. A maneira criminosa com que se enfrentou a crise sanitária já levou quase meio milhão de brasileiros a óbito. Destruiu famílias, sonhos e empregos. Um jovem que cresce no meio dessa tragédia tem sua adolescência roubada, um tempo que nunca viverá. Mesmo a alegria, que diziam ser a nossa marca, nos foi subtraída. E tudo ocorre em meio a uma profunda e pensada destruição de valores, que cria uma identidade nacional.
Quando chega
Não respeita nada.
...
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.”
Ferreira Gullar, poema Subversiva.
Depois de sair de verde e amarelo na manifestação contra Bolsonaro, no dia 29 de maio, e de defender a necessidade de retomar o orgulho, ou simplesmente de ter o direito a usar nossas cores e nossos símbolos nacionais contra a usurpação fascista, comecei a prestar mais atenção na dimensão do que esses gestos representam.
Recebi muitas manifestações carinhosas falando que realmente a ligação direta criada pela propaganda dos bolsonaristas do uso da bandeira, da camisa da seleção e de outros símbolos como sendo representativos dessa comunidade que cultua a morte afastou o brasileiro de algo que seria natural. O grande cineasta, agitador cultural, Neville D’Almeida me mandou um vídeo lembrando que nenhum grupo se atreveria a tomar para si as bandeiras e as cores dos EUA, da China, da França. E, principalmente, com tanto sucesso de marketing. Seria impensável.
No episódio da Copa América, ficou claro que a estratégia usada pelo governo de dominar e usar os símbolos é uma opção forte e definida. Como são negacionistas e pregam que a aglomeração favorece a tal imunidade de rebanho, pouco importando o aumento da contaminação, os governistas trataram de trazer a Copa para o Brasil, como um grande trunfo. Mesmo quem não gosta de futebol há de reconhecer o forte apelo popular da seleção nacional e da camisa canarinho. Tanto que, no auge da ditadura, com a tortura assustando a todos, o ditador Médici tirou o técnico João Saldanha e escalou Dadá Maravilha, e o slogan “Brasil ame-o ou deixe-o” ecoava país afora. E muitos torceram escondidos, envergonhados até, para a Seleção.
Desse episódio da Copa América, no qual a negativa de participação da Seleção durou pouco tempo, o que fica é a mensagem que o brasileiro está cansado de ser usado, manipulado e desprezado. A estratégia de usar a competição de futebol para aumentar a popularidade do governo é autoritária e irresponsável. Esse deve ser o foco dos questionamentos.
A politização do vírus da covid é a versão atual do vírus da morte que era inoculado pela ditadura. A maneira criminosa com que se enfrentou a crise sanitária já levou quase meio milhão de brasileiros a óbito. Destruiu famílias, sonhos e empregos. Um jovem que cresce no meio dessa tragédia tem sua adolescência roubada, um tempo que nunca viverá. Mesmo a alegria, que diziam ser a nossa marca, nos foi subtraída. E tudo ocorre em meio a uma profunda e pensada destruição de valores, que cria uma identidade nacional.
Esses bárbaros não cuidaram tão somente de saquear o país, o que já seria um estrago, mas trataram de impor em todas as áreas, Cultura, Educação, Economia, costumes e Saúde, um jeito fascista de governar. Enquanto nos ocupamos da preservação da vida, eles corroem o país por dentro, como cupins.
Um exemplo claro é o apego à mentira de maneira deslavada e sem pudor, que passou a ser uma estratégia de governo. Criam fatos e propagam como sendo verdadeiros. O que importa é o mundo imaginário no qual eles vivem. E o grupo insano que os acompanha, alimentados por ódio e falsidade, cresce e sustenta o governo. É uma bola de neve, um moto-contínuo.
Essa é a maneira com que se portam, por exemplo, na CPI do Senado. Falam para os seguidores fanáticos sem nenhuma vergonha do ridículo. Distorcem os fatos e se gabam, sem ruborizar, das atrocidades cometidas. Sempre sustentei que esses facínoras não têm vergonha de serem ridículos, pois sequer têm a dimensão do ridículo. Não ruborizam, pois precisariam ter consciência íntima do que fazem.
O presidente da República é o maior exemplo da desfaçatez. Agora, ele anuncia, com uma tremenda cara de pau, que o TCU, em um documento oficial, afirmou que mais da metade das mortes imputadas a covid não teve o vírus como causa. Uma afirmação gravíssima! À toda evidência ele falou sabendo que seria desmentido, que era uma informação falsa. Mas falou para alimentar as fake news, o submundo das notícias, o seu gado faminto e o ódio. Esse é o perfil do nosso desgoverno, que ri da nossa dor, do nosso abandono e do nosso desespero.
É estranho, mas o que se percebe é que o mundo imaginário criado por esses terraplanistas é alimentado pela máquina de sustentar o universo paralelo, que acaba sendo real. Nós passamos a ser ficção ao tentar racionalizar. Nós somos os que querem discutir literatura numa rave, os que se preocupam em usar máscara e fazer isolamento enquanto as festas clandestinas ditam as regras. Somos aqueles que insistem em ler livros e escrever, enquanto a comunicação tem que ter no máximo 240 caracteres. Quando o Twitter aumentou o limite de 140 para 280, os usuários reclamaram.
Nós estamos sendo tragados por um universo medíocre onde o que se prioriza, no máximo, são os livros com resumos e “soluções” para concurso. O mundo hoje tem a profundidade dos bolsonaristas e, por isso, a terra tem que ser mesmo plana para eles. Precisamos refletir e mudar a abordagem do enfrentamento. Não podemos jogar xadrez em um tabuleiro de dama.
É impossível ceder mais, mas é preciso jogar no campo deles. Na CPI, por exemplo, não se pode continuar com a tentativa de desmoralizá-los no confronto entre ciência e barbárie. Eles sequer piscam, estão soberbos com a mais completa ignorância. É preciso ir atrás do dinheiro e de comprovar quem ganhou com o uso criminoso da cloroquina. Temos que ter consciência de que o campo de atuação deles é o gabinete do ódio, os ministérios paralelos, a instrumentalização das milícias, o emparedamento das Forças Armadas.
O Brasil virou pária mundial, o brasileiro não é aceito em boa parte da Europa e, quando é aceito, como nos EUA, é necessário fazer uma humilhante quarentena no México. Logo logo nossos produtos também serão banidos. E mais do que excluídos, viramos chacota internacional: o ocorrido no periódico The Economist é constrangedor. A conceituada revista dedicou uma matéria de abertura, além do caderno de dez páginas, dissecando o desastre da política de culto à morte do governo brasileiro. A foto na capa é o nosso Cristo Redentor respirando com auxílio de um tubo de oxigênio. Se o Cristo ficasse em Manaus, iria faltar oxigênio.
A Secretaria de Comunicação da Presidência usou o Google tradutor, ou pediu ao filho do presidente, para traduzir a reportagem e foi outro vexame. Ao apontar o óbvio, a matéria fala da impossibilidade de mudar o Brasil com esse presidente. O governo fez a leitura que interessava aos seus seguidores e afirmou que o texto jornalístico propõe eliminar, fisicamente, o presidente. Vergonha alheia outra vez.
Ninguém responderá ao ódio que esse grupo propaga com ódio. Queremos tirá-lo sim, mas pelo impeachment, por uma responsabilização criminal ou pelo voto. Até lá, vamos fazer o enfrentamento com política institucional, muita poesia, muita literatura e uma dose extra de solidariedade, empatia e coragem.
Como ensina Carlos Drummond de Andrade, no poema Os ombros suportam o mundo:
“Chegou um tempo em que não adianta morrer,
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação. ”
Um exemplo claro é o apego à mentira de maneira deslavada e sem pudor, que passou a ser uma estratégia de governo. Criam fatos e propagam como sendo verdadeiros. O que importa é o mundo imaginário no qual eles vivem. E o grupo insano que os acompanha, alimentados por ódio e falsidade, cresce e sustenta o governo. É uma bola de neve, um moto-contínuo.
Essa é a maneira com que se portam, por exemplo, na CPI do Senado. Falam para os seguidores fanáticos sem nenhuma vergonha do ridículo. Distorcem os fatos e se gabam, sem ruborizar, das atrocidades cometidas. Sempre sustentei que esses facínoras não têm vergonha de serem ridículos, pois sequer têm a dimensão do ridículo. Não ruborizam, pois precisariam ter consciência íntima do que fazem.
O presidente da República é o maior exemplo da desfaçatez. Agora, ele anuncia, com uma tremenda cara de pau, que o TCU, em um documento oficial, afirmou que mais da metade das mortes imputadas a covid não teve o vírus como causa. Uma afirmação gravíssima! À toda evidência ele falou sabendo que seria desmentido, que era uma informação falsa. Mas falou para alimentar as fake news, o submundo das notícias, o seu gado faminto e o ódio. Esse é o perfil do nosso desgoverno, que ri da nossa dor, do nosso abandono e do nosso desespero.
É estranho, mas o que se percebe é que o mundo imaginário criado por esses terraplanistas é alimentado pela máquina de sustentar o universo paralelo, que acaba sendo real. Nós passamos a ser ficção ao tentar racionalizar. Nós somos os que querem discutir literatura numa rave, os que se preocupam em usar máscara e fazer isolamento enquanto as festas clandestinas ditam as regras. Somos aqueles que insistem em ler livros e escrever, enquanto a comunicação tem que ter no máximo 240 caracteres. Quando o Twitter aumentou o limite de 140 para 280, os usuários reclamaram.
Nós estamos sendo tragados por um universo medíocre onde o que se prioriza, no máximo, são os livros com resumos e “soluções” para concurso. O mundo hoje tem a profundidade dos bolsonaristas e, por isso, a terra tem que ser mesmo plana para eles. Precisamos refletir e mudar a abordagem do enfrentamento. Não podemos jogar xadrez em um tabuleiro de dama.
É impossível ceder mais, mas é preciso jogar no campo deles. Na CPI, por exemplo, não se pode continuar com a tentativa de desmoralizá-los no confronto entre ciência e barbárie. Eles sequer piscam, estão soberbos com a mais completa ignorância. É preciso ir atrás do dinheiro e de comprovar quem ganhou com o uso criminoso da cloroquina. Temos que ter consciência de que o campo de atuação deles é o gabinete do ódio, os ministérios paralelos, a instrumentalização das milícias, o emparedamento das Forças Armadas.
O Brasil virou pária mundial, o brasileiro não é aceito em boa parte da Europa e, quando é aceito, como nos EUA, é necessário fazer uma humilhante quarentena no México. Logo logo nossos produtos também serão banidos. E mais do que excluídos, viramos chacota internacional: o ocorrido no periódico The Economist é constrangedor. A conceituada revista dedicou uma matéria de abertura, além do caderno de dez páginas, dissecando o desastre da política de culto à morte do governo brasileiro. A foto na capa é o nosso Cristo Redentor respirando com auxílio de um tubo de oxigênio. Se o Cristo ficasse em Manaus, iria faltar oxigênio.
A Secretaria de Comunicação da Presidência usou o Google tradutor, ou pediu ao filho do presidente, para traduzir a reportagem e foi outro vexame. Ao apontar o óbvio, a matéria fala da impossibilidade de mudar o Brasil com esse presidente. O governo fez a leitura que interessava aos seus seguidores e afirmou que o texto jornalístico propõe eliminar, fisicamente, o presidente. Vergonha alheia outra vez.
Ninguém responderá ao ódio que esse grupo propaga com ódio. Queremos tirá-lo sim, mas pelo impeachment, por uma responsabilização criminal ou pelo voto. Até lá, vamos fazer o enfrentamento com política institucional, muita poesia, muita literatura e uma dose extra de solidariedade, empatia e coragem.
Como ensina Carlos Drummond de Andrade, no poema Os ombros suportam o mundo:
“Chegou um tempo em que não adianta morrer,
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação. ”
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