Evelyn Bastos - Gilvan de Souza
Evelyn BastosGilvan de Souza
Por O Dia
Sete é número de sorte de Evelyn Bastos, que está completando 7 anos de reinado à frente da bateria da Mangueira. Convidada para ser a majestade do Camarote O Dia na Folia, ela é formada em Educação Física pela UERJ, mantém dois projetos sociais e tem orgulho de ser uma mulher negra e moradora de uma comunidade, que vive uma realidade difícil durante o ano inteiro."Só quem mora no morro é que sabe. Levar as questões sociais no momento que o mundo inteiro olha para o pobre, o preto e aqueles que fazem o Carnaval, é de suma importância".
Durante muitos anos, a Mangueira aderiu à moda de colocar famosas como rainha de bateria e você quebrou isso resgatando a tradição de mulheres da comunidade, que aliás eram eleitas pelos ritmistas. Dá para contar um pouco sobre esse primeiro ano de reinado?
A Mangueira sempre teve a tradição de colocar uma mulher da comunidade como rainha de bateria. Tinha concurso, uma eleição e durante muitos anos foi assim. Só que teve um problema e parou esse esquema. Durante 7 anos, mulheres de fora acabaram sendo chamadas. Entrou uma nova diretoria e decidiu resgatar a velha tradição e eu entrei. Eu era rainha de Carnaval e recebi o convite de ser rainha de bateria da Mangueira. Aceitei e foi muito emocionante porque eu ocupei um lugar que foi da minha mãe há 30 anos.
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Você é uma mulher bonita e atraente. Já sofreu assédio? Já foi vítima de algum preconceito social ou racial mesmo sendo Evelyn Bastos?
Nunca sofri assédio dentro do Carnaval. Nunca sofri assédio como rainha de bateria porque temos algumas precauções quando vamos tirar fotos, temos cuidados na hora de posar para as fotos e recebemos respeito, mas já fui várias vezes vítima de preconceito social e racial. Sempre tive na minha cabeça isso e me preparei para saber lidar com essas situações. A mim não me fere em nada porque eu sei o meu lugar, sei o que eu conquistei com honestidade e muito trabalho e a minha luta, mas penso nas meninas da Mangueira que ainda não tem opinião formada e estão com uma personalidade não tão estável e forte, que você adquire só com o tempo. Mas eu procuro sempre falar porque as coisas precisam ser ditas, colocadas para um dia acabar.
O que o samba te deu em termos pessoais já que você é uma profissional e é uma passista que viaja o mundo?
O samba me deu muitas coisas, inclusive a minha formação acadêmica porque eu sempre fui bolsista 100% de uma escola, chamada Tia Neuma, que é para moradores das comunidades da Mangueira e do Jacarezinho e das favelas próximas. Várias pessoas estenderam as mãos para custearos meus estudos até o ensino médio porque a minha mãe não tinha condições. A Mangueira me deu tudo. A mulher que eu sou hoje, eu devo a escola. Participei de todos os projetos sociais, fiz curso de informática, de inglês, extensão escolar, tive acompanhamento médico, psicológico e por isso eu tenho uma ligação muito forte com a Mangueira.
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Você continua morando na Mangueira? Pensa em sair da comunidade?
Eu me divido muito porque o meu noivo mora em Guaratinguetá, em São Paulo, porque ele tem um cargo político lá e não pode se ausentar e aí eu fico um pouco lá com ele e um pouco aqui com a minha mãe e a minha irmã. A minha família inteira mora na Mangueira e eu estou sempre lá.
O seu noivo é ciumento? Por falar em noivo como estão os preparativos para o casamento? Seu vestido vai ser tradicional ?
A gente tem ciúmes, mas é aquilo de quem se gosta, normal. A nossa relação é de muita confiança, de muita lealdade. Estamos pensando aos poucos, mas estamos nos preparativos, estamos organizando. O meu vestido de noiva vai ser tradicional e está todo desenhando.
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Apesar de muitas escolas negarem, ainda se fala em venda de posto, principalmente na função de rainha de bateria. O que acha disso?
Existe. Mas, talvez por questão ética, eu prefiro não entrar muito nessa questão. Na minha opinião, eu acho que uma rainha de bateria deveria ser uma pessoa que tenha ligação com a comunidade e com o Carnaval durante o ano inteiro. Sou fã e bato palmas para a escola que coloca o talento de sua própria comunidade, talentos desconhecidos para propagar para o mundo o samba. É necessário para a nossa cultura. O Carnaval salva vidas e as escolas precisam abrir essa porta para a sua gente, abrir portas para os seus artistas do Carnaval.
Você é formada em Educação Física pela UERJ e uma mulher que se posiciona e sabe do seu papel dentro da escola?
Sou formada em Educação Física pela UERJ e quando eu cheguei lá em 2013, conheci uma galera com vontade de tornar tudo igual e decidi fazer parte. Além de me tornar universitária, eu virei também uma ativista social. Comecei pelos sonhos menores para que eles pudessem ser realizados. Me envolvi com a população de ruas e aí passei a entrar nas questões sociais dentro da minha comunidade. Eu sabia que poderia usar esse espaço de rainha de bateria para poder falar nas minhas redes sociais. Obviamente há quem goste e até me ajuda a levantar essas bandeiras, e há quem não goste e eu respeito. É muito difícil ser taxada por uma pessoa que não tem valor por causa do seu comprovante de residência. Você ser abordada de uma forma mais abusiva porque você está saindo de uma das vielas da comunidade, ter dificuldade de sair de casa para trabalhar ou de levar seu filho à escola porque tem um confronto. A realidade de uma comunidade é muito além do que passa na televisão, é muito além do que um relato de uma pessoa que entrou no morro duas ou três vezes e tem uma visão muito superficial e rasa da situação. Só quem mora no morro é que sabe. Levar as questões sociais no momento que o mundo inteiro olha para o pobre, o preto e àqueles que fazem o Carnaval é de suma importância. É um grito, um grito de liberdade, um grito por igualdade e respeito.
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Me fala um pouco sobre o seu projeto social?
Trabalho com dois projetos sociais. O primeiro é o SAC, 'Samba Amor e Caridade', que nós conseguimos atender 500 moradores de rua do Centro do Rio e assistimos com alimentação, água e kit higiênico, além de material de higiene pessoal. Nós conversamos e, principalmente, ouvimos as histórias dessas pessoas e recebemos uma troca muito especial, uma gratidão diferente que é pela vida. Nós passamos a agradecer por ter uma cama para dormir, um prato de comida, uma água limpa para beber, um par de chinelos para calçar e outras coisas que todo mundo acha natural, normal e muitas pessoas não têm absolutamente nada. E tenho o projeto 'Sementes de Rainha', que é com meninas e adolescentes que sonham ser rainhas ou passistas. Além de ensinar a sambar e ter postura, temos redações e incentivo aos estudos. Nós queremos colocar essas meninas nos lugares onde elas quiserem e que elas tenham também consciência de quem elas são e possam ser.
Como foi o convite para ser a rainha do camarote O Dia na Folia e como você espera ser o seu reinado?
Fiquei muito feliz com o convite. Me senti muito honrada e achei ótimo essa parceria. Eu espero ter um reinado de muita felicidade, festa e que sejam dias incríveis com todo mundo que for participar desse camarote. Ah! E espero estar no Sábado das Campeãs com a faixa de campeã pela Mangueira do Carnaval 2020.
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A gente sabe que você é uma mulher que se cuida o ano inteiro, mas o que você faz no dia mesmo do desfile? Como é o dia do desfile da Mangueira?
No dia do desfile eu procuro ficar bem tranquila. Gosto de ficar em silêncio e procuro estar perto das pessoas que eu amo para que elas possam emanar energias positivas pra mim. Bebo bastante água e procuro evitar a ansiedade à medida em que vai chegando o horário do desfile, mas a adrenalina é inevitável.
Tem algum ritual ou simpatia para entrar na Sapucaí?
Eu tenho um cuidado muito grande com a minha espiritualidade a semana inteira que antecede o desfile. Eu me conecto com orações e pensamentos positivos.
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Qual é o maior medo de uma rainha de bateria na Avenida?
Acho que o maior medo é atrapalhar a bateria de alguma forma. Tem que estar ligada para manter uma distância do mestre e fazer com que ele sinta à vontade ali na frente dos ritmistas. Também não pode atrapalhar os diretores que vêm no meio da bateria porque eles precisam enxergar o mestre. Tem que ficar bem ligada.
O que não pode faltar na sua bolsa de rainha?
Uma pergunta difícil porque não falta quase nada na minha bolsa, por exemplo. Eu carrego o mundo (risos). Até lixo eu carrego! Coloco em um saquinho para guardar as coisas que eu preciso jogar fora e não encontro uma lixeira perto, por exemplo. Boto tudo lá para depois descartar.
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Já pensa em aposentar a coroa?
Estou indo para o sétimo ano de rainha, o meu número da sorte, e eu me sinto muito à vontade na escola. Tenho ótima relação com a diretoria e não estou pensando em me aposentar, mas estou preparando dentro do meu projeto 'Sementes de Rainha', uma menina para passar a coroa. É o meu desejo que uma delas herde o meu posto.
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