Por O Dia

A vida passa muito rápida. Nesta semana lembrei de quando, pelo do destino, conheci o presidente Juscelino Kubitschek. Era janeiro de 1960, sem celular, sem satélite, e a capital da República ainda era o Rio de Janeiro. Eu, repórter do jornal Última Hora, tinha 17 anos, e fui mandado para um dos primeiros tiroteios entre criminosos e polícia no Morro Dona Marta. Tiroteio dos brabos, um morto, dois baleados, drogas e revólveres aprendidos. Não existia fuzil.

Vou pra delegacia. De lá, pego o telefone pra passar a ocorrência. O chefe logo interrompe: "Esquece, isso é bobagem. Vai pra Copacabana, pro Le Bec Fin. Era um dos mais refinados restaurantes do Brasil, onde encontraria um dos diretores do jornal. Cheguei lá, onde nunca havia imaginado pisar, me identifiquei. O porteiro me olhou 'assim, assim'. Afinal, tinha saído de um tiroteio, esculhambado, suado. Disse quem procurava, entrei. O diretor estava no bar. E mais alegre do que eu. Imediatamente, ordenou ao barman: "Pega aquele envelope que pedi pra guardar". Em seguida, avisou: "Você vai nesse endereço, no Flamengo, e entrega, em mãos, pro seu Juscelino".

Fomos pro Flamengo. Um prédio vertical de habitação coletiva, de uma 'prima' do presidente Juscelino. O porteiro me recebeu, interfonou e indicou o elevador...de serviço.

Aí começou a odisseia de chegar ao presidente. Um funcionário me atendeu, na porta de serviço, perguntou quem eu era e o que queria. "Sou repórter do Última Hora, preciso entregar, em mãos, esse envelope pro presidente Juscelino Kubitschek", disse. De calça, sapato sem meia e camisa de linho, amarfanhada, me olhou e chamou o mordomo. E expliquei novamente ao mordomo, que chamou a governanta, que pediu pra eu entregar pra ela mesma. "Impossível. A ordem é entregar em mãos", bati o pé.

Isso durou intermináveis quinze minutos e veio um 'aspone'. "Preciso entregar em mãos. A mando do Samuel Wainer", falei. A governanta já havia contado a história pra 'prima', que também apareceu. Repeti a história. Solícita e simpática, a 'prima' foi falar com Juscelino. O presidente me levou para um canto da copa. 

Juscelino Kubitschek foi o único que não reparou nos meus trajes. Com a mão no meu ombro, me encaminhou pra dentro. Lá, cinco ou seis pessoas bebericando. "Quer comer ou beber alguma coisa?", perguntou. "Não, presidente", respondi. "Onde você estava?". "No tiroteio do Dona Marta", prossegui. "E foi grave?", quis saber. "Dois baleados, um morto", contei. Ele chamou o mordomo, que me tratou de senhor e perguntou o que eu beberia. "Uísque...sem gelo", emendei. Me enturmei na conversa.

Até hoje não sei quem estava lá. A 'prima', balzaquiana linda, tinha sorriso tão largo quanto o do presidente. O sorriso era o que tinham mais em comum. Passei umas poucas horas lá, até que me deu o 'simancol', avisei que iria embora. Agradeci ao presidente. Muito educado, falou que eu era "rapaz responsável", deu um cartão de visita. Saí pela porta social.

Cheguei à redação, passei pelo chefe, avisei que estava tudo resolvido. Samuel Wainer me viu. Óculos meia-taça, camisa social, laudas na mão, olhou minha 'embalagem' e chamou: "Você entregou em mãos?, perguntou. "Sim". "E o presidente falou alguma coisa?". "Disse que eu sou 'um rapaz responsável'".

Os anos se passaram, saí da Última Hora. Em 1972 ou 1973, trabalhava na Editora Bloch e o ex-presidente Juscelino tinha sido cassado como senador pela ditadura, foi pro exílio, voltou, montou escritório no prédio da Praia do Russel. Eu chegava cedo e quase sempre encontrava o presidente no elevador. Na primeira vez, olhou pra mim e, sem cerimônia, falou: "Oi, Luarlindo. Não me reconheceu?". "Claro que sim. Quem não conhece o presidente Juscelino?". E por diversas vezes nos esbarramos. Nos rápidos bate-papos, quase que diários, todos encafifados por nos conhecermos. Ele sabia até que eu tinha um cachorro, o Mariel. "E o Mariel? Tudo bem com ele?", queria saber. Todos no elevador achando que era o então policial Mariel Mariscot.

Hoje percebo a admiração que tenho pelo presidente Juscelino. Recentemente, passei por aquele prédio vertical de habitação coletiva. Não mudou nada. Quem mudou fui eu. A 'prima', não sei mais dela. O presidente Juscelino já se foi nessa vida louca. O que não mudou foi o comportamento das pessoas no elevador. Ninguém se cumprimenta.

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