Publicado 31/10/2020 06:00 | Atualizado 31/10/2020 10:04
Uma segunda feira, 8 horas da matina no andar das gavetas refrigeradas do velho prédio do IML, Centro do Rio, não é para qualquer um que não esteja habituado ao ambiente. E o odor que toma conta do salão, acreditem, é aquele que todos esperam: nauseabundo. O parceiro do jornal que me acompanhava, o Clarimundo, estava curtindo uma ressaca federal. A cor dele, pálida, até que combinava com a dos mortos que estavam nas gavetas. Clarimundo ainda estava trêmulo, reclamando de náuseas e com as pernas bambas. Que boa companhia para reportagem que pretendiamos fazer. Eita vida de repórter. O negócio foi o seguinte: uma mulher, bem jovem, loura, olhos verdes, aparentando uns 18 anos, trajando roupas, e peças íntimas, de boa qualidade, foi jogada de um carro em movimento na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, altura do Posto 4, em Copacabana em uma madrugada desta vida. O caso se deu lá pelo ano de 1978. Mas, uns oito ou doze depois, a polícia não conseguia identificar a morta. Então, resolvemos tentar auxiliar a investigação, De início, para dar andamento ao caso, teríamos que saber quem era a desconhecida. O caminho era o mais óbvio: IML.
Com autorização do Chefe da Polícia, expliquei ao diretor do IML o plano para tentar saber quem era a desconhecida. Precisávamos de fotos do rosto do cadáver para, na Redação, fazer retoques e abrir os olhos da morta, dando aparência de que a foto fora feita em vida. Com a publicação, aguardaríamos informações de vizinhos, amigos, parentes para a identificação oficial. Simples, não ? Então, já no salão dos mortos refrigerados, puxamos a gaveta certa e encaramos a realidade (até então, na teoria). Clarimundo, fotógrafo, começou a dar mais sinais de instabilidade estomacal. Calcei as luvas e iniciei o trabalho de arrumar os cabelos do cadáver, na tentativa de melhorar a aparência. Clarimundo já estava na fase de regurgitação. Saiu correndo à procura de um banheiro. Voltou, mais pálido, uns dez minutos depois. Homessa, o corpo já estava fora da refrigeração cerca de trinta minutos e com a mudança de temperatura, começou a suar ! Clarimundo voltou ao banheiro, demorando mais outros dez minutos. Eu? Ora, desesperado, querendo sair dali, precisando de ar puro, com o odor peculiar invadindo até minhas roupas. Que situação terrível. Bem, Clarimundo regressou - todo molhado, parecendo que havia tomado um banho, vestido - fez as fotos, acenou dizendo que estava pronto o trabalho. Fechei a gaveta, corri para a porta de saída e fui direto para a sala do diretor. No gabinete, Clarimundo bebeu todo o estoque de água que estava na geladeira. Agradeci a boa acolhida e saímos.
No elevador, lá pelas dez horas da manhã, lembrei de uma bar, coladinho ao prédio do IML, bem à moda antiga, na Rua dos Inválidos. Foi meu caminho, com Clarimundo no meu reboque. Saudei o ilustre taberneiro e pedi uma generosa e bem servida dose da aguardente, a mais forte, que tivesse na prateleira. Clarimundo pediu, também. Levei a bebida até um lavatório e, quando ia desinfetar as mãos, Clarimundo engoliu a dose dele, de uma só vez ! Quando notou que eu não havia bebido, tomou fôlego e perguntou: -" Não era para beber ?" Ah, identificamos a morta. Era de Santa Catarina, veio para o Rio, na casa de parentes do bairro Encantado. Ficou deslumbrada com as inebriantes e perigosas luzes de Copacabana, foi atirada do carro do namorado e atropelada por um outro veículo em seguida. Morreu no local. Clarimundo, após tratamento intensivo com chá de boldo, melhorou dois dias depois.
Com autorização do Chefe da Polícia, expliquei ao diretor do IML o plano para tentar saber quem era a desconhecida. Precisávamos de fotos do rosto do cadáver para, na Redação, fazer retoques e abrir os olhos da morta, dando aparência de que a foto fora feita em vida. Com a publicação, aguardaríamos informações de vizinhos, amigos, parentes para a identificação oficial. Simples, não ? Então, já no salão dos mortos refrigerados, puxamos a gaveta certa e encaramos a realidade (até então, na teoria). Clarimundo, fotógrafo, começou a dar mais sinais de instabilidade estomacal. Calcei as luvas e iniciei o trabalho de arrumar os cabelos do cadáver, na tentativa de melhorar a aparência. Clarimundo já estava na fase de regurgitação. Saiu correndo à procura de um banheiro. Voltou, mais pálido, uns dez minutos depois. Homessa, o corpo já estava fora da refrigeração cerca de trinta minutos e com a mudança de temperatura, começou a suar ! Clarimundo voltou ao banheiro, demorando mais outros dez minutos. Eu? Ora, desesperado, querendo sair dali, precisando de ar puro, com o odor peculiar invadindo até minhas roupas. Que situação terrível. Bem, Clarimundo regressou - todo molhado, parecendo que havia tomado um banho, vestido - fez as fotos, acenou dizendo que estava pronto o trabalho. Fechei a gaveta, corri para a porta de saída e fui direto para a sala do diretor. No gabinete, Clarimundo bebeu todo o estoque de água que estava na geladeira. Agradeci a boa acolhida e saímos.
No elevador, lá pelas dez horas da manhã, lembrei de uma bar, coladinho ao prédio do IML, bem à moda antiga, na Rua dos Inválidos. Foi meu caminho, com Clarimundo no meu reboque. Saudei o ilustre taberneiro e pedi uma generosa e bem servida dose da aguardente, a mais forte, que tivesse na prateleira. Clarimundo pediu, também. Levei a bebida até um lavatório e, quando ia desinfetar as mãos, Clarimundo engoliu a dose dele, de uma só vez ! Quando notou que eu não havia bebido, tomou fôlego e perguntou: -" Não era para beber ?" Ah, identificamos a morta. Era de Santa Catarina, veio para o Rio, na casa de parentes do bairro Encantado. Ficou deslumbrada com as inebriantes e perigosas luzes de Copacabana, foi atirada do carro do namorado e atropelada por um outro veículo em seguida. Morreu no local. Clarimundo, após tratamento intensivo com chá de boldo, melhorou dois dias depois.
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