Por Luarlindo Ernesto
Nunca tinha visto tanta agitação, palavrões, ofensas impublicáveis e quase vias de fato no varandão do Bar dos Mestres. O antro alcoólico, tombado como bem do patrimônio da Água Santa, tem um ponto estratégico, bem em frente ao Presídio Ary Franco, no coração do bairro, pertinho da fonte da água mineral, 200 metros distante da Igreja de Santa Antônio. Excelente localização. Vez por outra, dou uma chegadinha no bar para degustar generosos pedaços de carne seca embrulhada na farinha. Um mimo.
Mas, desta vez, fui comprar pão para rabanadas, na Padaria Puro Sabor, localizada na esquina do presídio, a bombordo do ponto em questão. Estacionei minha BMV na larga calçada e me espantei com os grupos discutindo aos gritos. Parecia até o nosso parlamento quando o assunto gira em torno de emendas parlamentares.
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Avesso às confusões, principalmente alcoólicas, atravessei a rua e caminhei vagarosamente, aproveitando para tentar entender o motivo do imbróglio. Muito difícil. Resolvi entrar na fila do pão, na esperança de que alguém pudesse explicar o que se passava para tanta confusão. E, pasmem: deu certo. Pelo menos, soube de quatro versões. Com o pão protegido em saco de plástico biodegradável, tava começando aquela chuva fina, muito chata, e ainda levando cinco empadinhas de carne de siri, voltei para pegar o carro, a BMV.
Curioso que nem repórter, resolvi entrar no bar para comprar um charuto e, no local do crime, saber direito o que se passava. Nada melhor do que ir até a fonte da notícia. Enquanto ajustava o aparelho auditivo - para filtrar os sons que me interessavam - vi um grupo da velha guarda que a tudo assistia sem entrar no mérito. Me enturmei e, sem cerimônia, perguntei quem estava contra quem e, afinal, o porquê do "baile".
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O Clóvis, um marinheiro reformado, no alto dos 78 anos, figura respeitada no antro, explicou em voz alta: "É a tal da vacina contra a nova praga. Uns dizem que a milícia vai fabricar e vender. Outros dizem que não acreditam". Mas, continuou, tem outros que dizem que não vão tomar vacina. Por último, tem os que querem ser vacinados, aqui no presídio, porque ouviram no rádio, que os presos têm preferência.
Acendi um charuto e, de relance, vi o Fred, o meu amigo-vizinho suíço, em pé na beira da calçada, Fui até ele, expliquei o furdúncio e tentamos achar uma saída para acabar com o tumulto. Afinal, em grupos antagônicos, estavam amigos, irmãos, afilhados, vizinhos, pais e filhos... não pegava bem trocarem de mal em plena véspera de Natal. Rapidamente, Fred teve uma ideia. Aprovei e resolvemos colocar em prática.
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Chamei o Clóvis, ao lado e larguei a bomba de 250 megatons: "Ô camarada, avisa aos mais inflamados que os mais recentes estudos de cientistas do Paraguai descobriram que, caso um desses caras, pegarem a doença, vão ficar impotentes. Avisa logo!" Clóvis arregalou os olhos e correu para o meio da confusão. Deu um assovio alto e profundo e gritou: "Seus imbecis. Sabem da última? Quem não tomar a vacina vai ficar sem fazer sexo. A tal covid deixa os homens impotentes". Silêncio total.
Semblantes carregados, sisudos, de preocupação e de espanto. Mas a paz voltou a reinar no aconchego do Bar dos Mestres. Eu e Fred, felizes, saímos à francesa na BMV. (nota do autor: BMV - Brasília Muito Velha).