Publicado 05/12/2020 06:00
Sem tempo até para morrer, depois que entrei no tal do trabalho remoto - home office, para os mais novos - fico observando detalhes da casa, descobrindo defeitos que não tinha reparado ao longo dos anos. Então, fiz um relatório de danos que tenho que encarar, aqueles pequenos reparos nas portas, paredes, piso, telhado, canteiros. Fiz o inventário e, agora, como conseguir tempo para a empreitada?
Nada de chamar reforço da família ou de amigos. Vivo em isolamento social, sem aglomeração e sem flexibilização. Quase que construí um muro, imaginário, tipo o que Trump, aquele simpático, educado e eficiente presidente norte-americano, não concluiu fisicamente, na fronteira com o México, para tentar barrar os vizinhos pobres que ele tem. A minha barreira é sanitária, de uso temporário em tempo de pandemia.
Os amigos e parentes sempre foram bem vindos, e sempre serão. Já abriguei, até, amigos recém separados de casamentos e que não tinham onde morar. Um deles, o Joel, repórter-fotográfico das antigas, morreu de causa natural, aqui, na caverna. Céus, isso tem quase 40 anos. Eu trabalhava, na ocasião, em um jornal na Avenida Brasil 500.
Mas, voltando às tarefas do doce lar, nas folgas, bem que poderia tentar o "faça-você-mesmo", tão badalado hoje em dia. Bolas, não tenho jeito para a coisa. E, nem as ferramentas adequadas para as tarefas. Então, entre um zap e outro, me comunicando com neto postiço II, ou neto adotivo, ou o quase neto, o Thiago, jornalista que adora uma música moderna, daquelas barulhentas, ele me deu a ideia salvadora: aciona o seguro!
Nada como ter um neto, mesmo sendo emprestado, para dar ideias. Peguei o telefone, o fixo (esquecido e abandonado), ajeitei o óculos e uma lupa - tenho cataratas - e fui procurar o seguro do carro. Demorou, mas fui atendido. A recepcionista foi logo perguntando o tipo de plano que eu escolhi. Expliquei tudinho e ela foi riscando o que eu poderia fazer. No final, sobraram apenas o chaveiro, emergências no fogão ou no aquecedor, concertos em calhas do telhado, pequenos serviços de bombeiro hidraúlico... Bolas, não acertei uma !
Mandei uma chamada com vídeo para o Thiago: - "Ô netinho, arranja outra ideia aí. O seguro não cobre os reparos que estou precisando fazer".- Aí, ele mandou na lata: -"Voinho, deixa pra lá. Fica quieto e vai trabalhar. Se os reparos estão aí, na sua frente, já tem uns dois anos, eles podem esperar a pandemia passar. Mas, anote uma sugestão, ô ancião: faz um curso, online, de línguas. Escolhe, por exemplo, mandarim. Você vai gostar". Agradeci.
Botei a viola no saco, prometi mudar de seguradora e fiquei pensando o que fazer (ou, não fazer) nas horas de folga. Irritado, varri as folhas do quintal e quase esqueci de alimentar as rolinhas. E, caramba, da minha alimentação, também. Tô de dieta. Batatas e cenouras, às segundas, quartas e sexta-feiras. Ou cenouras e batatas, nas terças, quintas e sábados. Domingos? Ovos cozidos com nhoque. Ah, as sobremesas geralmente são as frutas aqui do pomar.
Mas, cismei que tenho que conseguir uma maneira de fazer os reparos aqui, na caverna. Isolamento social é bom para os criminosos (que têm até bolsa, visita íntima, banho de sol e outras regalias). Desespero pelo confinamento. Vou apelar para a rapaziada que frequenta praias, baladas, shoppings. Fiquem em casa. Ajudem a controlar a tal peste, a covid. Eu preciso da minha liberdade (não quero liberdade vigiada). Não sei consertar nada em casa. Ainda para aumentar o sufoco, o abastecimento de água anda prejudicado. Alô ONU. Socorro ! Ajuda aí, ô novo burgomestre.
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