Publicado 20/02/2021 06:00 | Atualizado 20/02/2021 13:36
Nos anos finais da década de 1950, bem no finalzinho, eu estudava no Colégio Marista. Lembro que, por qualquer deslize, os professores, todos da Ordem Marista, tinham o costume de dar castigo: decorar, em pouco tempo, uma página de livro de Latim. Era para manter a disciplina, diziam os mestres.
No tempo do Exército - obrigatório naquele tempo - o castigo por pequenos delitos, era um, ou dois, ou mesmo três dias na cadeia do quartel. Tudo pela disciplina. Em casa, a pena era a de ficar sem a mesada. Fora os "discursos" dos avós, na base do "não quero um homem mal educado e sem disciplina".
E, assim, cheguei até ao casamento, o primeiro. Tô tentando chegar ao momento atual, com os mais jovens, e até uns que já passaram um pouquinho da juventude, que teimam em ignorar as proibições da era da reclusão, da minoria atuante que burla decreto que proíbe aglomerações, festas, bailes e etc e tal. Vou contar umas historinhas, verdadeiras, com nomes e locais fictícios, preservando identidades dos personagens. Quando eu for o personagem, aviso. Prometo.
Corria o início de 1960, eu já estava como foca (o estágio, da época) na redação de um jornal importante naquela ocasião. Um redator, portador de prótese mecânica, de membro inferior, farrista de mão cheia, boêmia da melhor qualidade, mulherengo e espetacular profissional.
Ele, já casado, morava no bairro do Maracanã. Chegava cedo no trabalho e trabalhava até lá pelas 19 horas. A rotina se repetia durante quase toda a semana. É que, às sextas feiras, o jornalista se transformava. Saía mais cedo do jornal, ia para casa, tomava um banho, jantava, dava um beijo na mulher e nos filhos e somente aparecia no dia seguinte, sábado, ao escurecer. A mulher aturou por um bom tempo as escapadas do marido. Até que, resolveu disciplinar o farrista.
Deixou ele entrar no banheiro e, rapidamente, pegou a prótese - que ficava do lado de fora do banheiro para não molhar- e escondeu. Sem a perna, o amigo não foi para a farra. O trabalho de esconder com vizinhos, deu certo. Soube que a mulher mandou gravar, na prótese, um verdadeiro currículo do marido. Contava tudinho dele. Até que ele abandonou a esbórnia.
Um outro caso, o marido se mandava para a farra, aos sábados. Sempre pela manhã. Ih, durou uns poucos meses o tal costume. Até que, a mulher, toda arrumada, esperou o marido na porta do carro, E foi avisado: "Mor, já que vai sair, me dá carona até Copacabana. Vou passear..." O cara, desconfiado, respondeu com uma pergunta: " E nossos filhos ? Quem vai cuidar ?". Creuza, a mulher, mandou na cara dele: "Elas se viram". Pronto, acabaram as farras semanais do coleguinha. Tudo pela disciplina.
Eu lembrei do lendário Aparício Torelly (janeiro 1895 - novembro 1971) o Barão do Itararé - herói da batalha que nunca aconteceu - um dos mais espancados (foi preso dezenas de vezes) pela Ditadura Vargas. Fui vizinho, de bombordo, da mesa dele na redação, nos meus 17 anos de idade, em jornal que não existe mais.
Ele me mostrava as cicatrizes das porradas que levou, quando era dono do semanário A Manha, que criticava os desmandos do ditador. "Queriam que eu só elogiasse Vargas. Eu sempre o criticava...". As cicatrizes, para ele, eram medalhas, "com muita honra". Era um indisciplinado a favor da democracia. Assim, como Sérgio Porto (janeiro 1923 - setembro 1968) conhecido como Stanislaw Ponte Preta. Lembram deles ?
O Sérgio chegou a publicar o livro Festival de Besteira Que Assola o País, o FEBEAPÁ, que prazer de ter fornecido munição para as duas, ou três, edições. Ainda bem que fiquei contagiado com as indisciplinas desses dois cidadãos. Se vivos fossem, teriam um universo de besteiras, e burrices, para mostrarem.
Ih, já imaginaram eles mostrando as desobediências sanitárias de hoje em dia? Sem vacina, com cepas por todo lado, sem leitos, sem médicos, sem leitos, com geosmina. Aposto que iriam lembrar que tem gente que só obedece as leis dos traficantes.
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