Luarlindo Ernesto
Luarlindo ErnestoGilvan de Souza / Agencia O Dia
Por Luarlindo Ernesto
Dez dias em casa. Trabalhando, ou não. Você, e o patrão, decidem. E a conta bancária, vazia, mas cheia de teias de aranhas. Uns privilegiados ainda têm a despensa cheia. A maioria do povo queimou o armário para alimentar o fogão a lenha e cozinhar o que sobrou no fundo do baú. No meu caso, confinado desde março do ano passado na caverna, nada mudou.
Continuo em home office, sem tornozeleira. Feriadão? Ou castigão? Entra ministro, sai ministro e contínuo no cativeiro. Vizinho, aqui de Boreste, confidenciou que, enquanto esteve internado na enfermaria do hospital, tratando do corona leve, conseguiu se alimentar com três refeições ao dia. Ele, entretanto, ficou viúvo e ainda perdeu o emprego. Eita pandemia.
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Agora, com novo ministro, até o número de mortos no país vai diminuir. Passamos dos 300 mil. Depois, deve ser em contagem decrescente. E os leitos ? E as equipes médicas? Aumentam ou diminuem ? Não foi à toa que o presidente, dia desses, fez uma pergunta em uma dos encontros na porta do Planalto: - Pô, só se morre de covid? Não, presidente. Continuamos sendo vítimas de balas perdidas, tuberculose, enfarte, câncer, panariço, nó nas tripas, trombada de carros, falta de oxigênio, fome...
Vou mandar tatuar, no peito, os números do meu CPF e do cartão do SUS. Tão valendo mais que o da Carteira de Identidade. Pelo menos, para o Ministério da Saúde.

Enquanto isso, ouvindo a patroa reclamar da clausura, vou procurando meios de sobreviver no isolamento que nos cerca. Ainda bem que inventaram a internet. Coisa ruim é esse tal de celular. Anda com ele pendurado no pescoço. Começo cedinho no trabalho, quando ainda está escuro, de madrugada. Furto um tempo antes do almoço para varrer o quintal. Continuo na labuta até escurecer novamente. Uso a zap, FB, Instagram, Telegram, e já tenho calos nas pontas dos dedos. A TV permanece ligada dia e noite.
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Somente vejo as ruas quando sou obrigado a ir ao médico. Compras, quando possível, uso o delivery. Até o milho picado, das rolinhas, vem com o motoboy. Vez por outra, um velho amigo usa o telefone fixo para saber como vão as coisas. E, pior, as notícias tristes não param.
Agora foi a morte do Mário Dias, amigo do peito, da redação e do copo. Logo aparecem as lembranças de 50 anos
que ficaram lá atrás da memória, onde não haviam doenças violentas, ebola, Aids, e outras pragas da humanidade. Tá difícil achar os companheiros da velha guarda.
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Antigamente tínhamos a Jovem Guarda ou Os Novos Baianos. Acho que também envelheceram. O pior é que os amigos morrem sem avisar. Acho que, qualquer dia desse, vou fazer a mesma coisa. Morro e não aviso com antecedência. Vai ser surpresa. Tenho até feito gozação com o assunto. O Chico Édson, por exemplo. Cansava de tirar fotos ao meu lado. Eu, para gozar o amigo de 20 anos, dizia: "Aproveita aí, Chico. Pode ser a última foto". Ele, nos seus quase dois metros de altura, tentava desconversar e me consolar: "Que isso, ô Luar. Você ainda vai viver muito tempo". No que eu mandava na lata: "Não estou falando de mim. É de você !". Gargalhadas de todos os colegas na redação. Chico acabava entrando na chacota.
Mas, a todo instante morre um amigo, um conhecido, um parente. Chico Buarque sacou uma frase que considero própria para o
momento, quando compôs mais uma obra, lá pelas bandas de 1972 : - ..."A dor da gente não sai no jornal"