Especial 70 Anos Jornal O DIA. Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco
Por Luarlindo Ernesto
Publicado 12/06/2021 06:00
Acabou a renda familiar do vizinho de bombordo. Ele, mais um, atingido pela covid, perdeu a mulher. Ela era a única a trabalhar na família. O cidadão, já três meses após a morte dela, resolveu migrar para a casa que conseguiu construir no município de Queimados. É o quinto que se retira aqui do Principado da Água Santa durante a pandemia. Sem renda, sem casa, a solução foi mudar para mais distante.
Otoniel, pelo menos, tem uma casa na Baixada Fluminense. Foi a falecida que bancou a compra do terreno e a obra. Pelo que ele contou durante o papo domingueiro no bar, a casa é de apenas um cômodo conjugado. Meio esnobe, disse que parecia um loft, sem paredes divisórias. E, para entregar a casa que mora aqui no bairro, precisa fazer uma faxina, incluindo pintura geral. Malandro, fez uma campanha entre os moradores, para a compra da tinta e, claro, a mão de obra, E, amigos, conseguiu.
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O dono do bar, entretanto, está muito preocupado. Ele me confessou que está receoso com a pendura do Otoniel no estabelecimento. São três meses sem pagar o cigarro, as bebidas e a carne seca empanada, que diariamente consumia. "Ô Luar, a conta já passa de 500. Se ele pagar a metade, coisa difícil, já fico quase satisfeito". Cá entre nós, amigas e amigos, o comerciante já levou vários "beiços" de moradores retirantes nesse ano e meio de reclusão. Todos os maus pagadores culparam a crise, o vírus, o desemprego, para justificar a inadimplência no botequim.
O jornaleiro da esquina, aqui pertinho, já se queixou do calotes. O peixeiro,  o padeiro, o dono da loja de ferragens...aliás, o único que não reclamou, ainda, foi o bicheiro. "Não posso aceitar apostas fiadas. O patrão me demite. Onde vou conseguir emprego que me paga dois salários e meio, com direito ao 13º e paga os remédios da patroa ?", justificou o Zizinho, contraventor veterano aqui do lugar.
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Na pequena Peixaria Pague e Coma, o Hércules pendurou um enorme cartaz na vitrine: Fiado só para a água da chuva. E, somente está vendendo pescado para alguns comerciantes. O dono da padaria, que mantinha seis funcionários, dispensou todos e só tem a mulher e dois filhos (vez por outra, a sogra), trabalhando. A vizinha de boreste, Telma, começou na semana passada a vender artesanato no Méier.
Parece que sou fofoqueiro. Antes de mais nada, amigas e amigos, devo explicar que não se trata disso. Estou mostrando a vida como ela está, sem máscara (desculpem, mas não resisti ao trocadilho). Vejam, mais um caso: o doutor Marcelino, médico que rejuvenesce nove entre as dez dondocas mais vaidosas aqui do pedaço, somente aceita pagamento das cirurgias plásticas no ato. Ou, no cartão de crédito. Cortou os cheques pré-datados. Não sei se cirurgião-plástico levaria beiço ou lábios...
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Fato complicado acontece com o dono da pequena loja Pet Shop aqui no Principado. O Siri (apelido de infância) já recebeu vários animais domésticos de moradores da área. Porque ? Os donos, ou tutores como são conhecidos hoje em dia, não têm grana para bancar os bichinhos. O Siri tá desesperado com os novos hóspedes. Ele, que não comercializa animais, tá cheio de gaiolas com pássaros, três cães, um jabuti, e uma Arara. "Levei todos para minha casa. Se eles ficarem aqui na loja, serei multado ou preso", desabafou o comerciante.
E o mascate que atende a região? Ele conserta e vende panelas usadas. De tanto fiado não recebido, já tem uma placa nova na lateral da Kombi: Não peça fiado. Também tenho família. Ah, já repararam que não se encontra mais frango nos despachos das encruzilhadas ?
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